quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

ENTREVISTA DO MINISTRO JUCA FERREIRA AO JORNAL DO BRASIL

“O cofre da cultura”

Ministro Juca Ferreira fala sobre as mudanças na Lei Rouanet e diz que ano será de muitos acordos
Monique Cardoso, JB
Instrumento fundamental para o financiamento de projetos culturais em todo o Brasil por meio de renúncia fiscal, há quase 18 anos, a Lei Rouanet vai perder sua força. O MinC divulga, nos próximos dias, o novo texto do projeto de lei de fomento às artes que será enviado ao Congresso Nacional em fevereiro. As modificações são fruto de debates realizados em diversas capitais com agentes do setor. Tiram o poder de fogo da Rouanet, que hoje é responsável por 73% da verba que circula na área. Hoje um saco vazio, o Fundo Nacional de Cultura (FNC) vai passar a ser o principal meio de distribuição de verba para teatro, dança, artes plásticas, música, patrimônio e outras manifestações. O Vale-Cultura sai do papel e o ministério deve reter parte da arrecadação das loterias federais para o orçamento da pasta. De férias em Salvador, o ministro Juca Ferreira antecipa ao Jornal do Brasil os principais pontos do novo projeto de lei e chama o governo federal à responsabilidade. “O ano de 2009 vai ser de negociação. É incontornável a necessidade de o governo criar recursos para o orçamento do MinC”.

A Lei Rouanet vai acabar?

Não vamos acabar com a renúncia fiscal, vamos modificar as regras e ampliar os mecanismos para cinco ou seis formas diferentes. O Fundo Nacional de Cultura é que vai ser o principal instrumento. Estamos enviando um projeto de lei novo, não são apenas emendas. O texto fica, até fevereiro, em consulta pública. Nos últimos meses promovemos os Diálogos Culturais, fiz muitas reuniões com os secretários de Cultura do país inteiro e chegamos a uma série de normativas. É grande a confiança de que o texto será aprovado rapidamente e sem modificações significativas. Demorou, mas amadurecemos bastante.

Houve boa receptividade para as propostas?

Política pública não se faz em gabinete. É preciso ouvir artistas, financiadores, institutos, teóricos, pesquisadores, produtores. A receptividade de tudo o que eu fiz até agora foi acima das expectativas. Até pessoas que não apóiam o governo contribuíram com o debate. A reforma vem responder a certas inquietações: os produtores estavam preocupados com o recuo das intenções de patrocínio por causa da crise. As novas propostas dão margem de tranqüilidade.

Da onde virá o dinheiro para o Fundo Nacional de Cultura?

O Fundo Setorial do Audiovisual foi o primeiro que lançamos, com R$ 74 milhões. O FNC será composto por fundos setoriais de gestão compartilhada entre o setor público e setores relacionados. O atual FNC não capta. O novo vai captar, fazer convênios, gerar mecanismos de patrocínio e financiamento. Mas faço questão de dizer: o instrumento só vai dar certo se o ponto de partida orçamentário for razoável. Não pode ser frágil para substituir a renúncia. E cada fundo terá personalidade própria. O do livro, por exemplo, vai ter a contribuição da área editorial. Mas não é para substituir o dinheiro orçamentário. É para somar, crescer. É incontornável a necessidade de o governo criar recursos.

Os fundos vão funcionar de maneira independente?

As áreas serão: Artes, Patrimônio, Livro e Leitura e Diversidade Cultural, Cidadania e Acesso. Vamos aproveitar as vantagens de cada setor, desenvolver modos de captação específicos. Cada área da cultura terá seu modelo de gestão e avaliação de projetos da maneira mais especializada possível. Se as áreas são diferentes, o modelo de financiamento não pode ser um só.

Qual vai ser a vantagem para o investidor no novo modelo?

Para que submeter o produtor à via-crúcis que é bater na porta do departamento de marketing de empresas com o pires na mão se a renúncia é de 100%? Quase todo o financiamento de cultura é feito com dinheiro público. Vai ser mais simples: o empresário vai poder contribuir com o fundo por renúncia fiscal ou outros modos, sem ter de escolher projetos, o que gera custo e tempo para eles. Deixa que o ministério seleciona. Outra parte importante é a certificação de responsabilidade social com a cultura do país. Não avançamos no universo das empresas. Apenas cerca de 7% das empresas brasileiras contribuem. É muito pouco. O novo modelo dará retorno de marca maior e menos trabalho.

E a tão sonhada descentralização dos recursos?

Com o fundo isso é bem mais fácil. Hoje, com todas as deficiências, a distribuição dos recursos administrados pelo FNC tem proporcionalidade democrática, apesar da diferença de desenvolvimento cultural de região para região.
O Vale-Cultura finalmente sai do papel.
Vai ser como o tíquete-refeição. É o investimento no consumo. Hoje só se investe na produção e não se dá acesso. O trabalhador pode trocar por livro, entrada em teatro, dança, cinema. Milhões de brasileiros hoje não têm consumo cultural. Está praticamente em exercício, estou conversando com a área econômica sobre isso, para definir já as empresas que vão gerir.

O senhor espera que a nova lei emplaque, mesmo com a crise batendo à porta?

Estamos com muita expectativa e acompanhando a chegada da crise ao Brasil para definir políticas de proteção da área cultural. Supondo que o dinheiro suma, o que não deve acontecer, há cumplicidade do governo, o impacto seria pequeno. O ano de 2009 vai ser de muita negociação, com governo, parlamento, área privada. Uma vez aprovadas essas mudanças, trabalho para que haja reforço orçamentário para que o fundo cumpra plenamente seu papel.

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