segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A MISÉRIA CULTURAL BAIANA

Por André Setaro
Se a miséria está instalada na cultura baiana (nada a ver com política cultural deste ou daquele governo, pois a coisa é crônica), no plano nacional, e no tocante ao cinema em particular, ir ao cinema somente é permitido à classe média alta para cima. O povo e a classe média estão praticamente excluídos, a formar uma geração dos Sem Cinema. Triste realidade. E assustadora, porque quem não se habitua cedo a ir ao cinema não vai nunca mais.


Sim, uma ida ao cinema atualmente significa um gasto considerável, que fura o orçamento do classe média, que está pagando a conta das bolsas familiares. A verdade é que, depois do Plano Real, a economia se dolarizou, os preços subiram muito e os salários, congelados em freezer potente. Um casal para ir ao Multiplex gasta, de saída, 32 reais, considerando que o ingresso custa a 16. Se quiser se empipocar, como é de praxe, mais uma grana – e os complexos de cinema cobram muito mais nas guloseimas compradas dentro deles. Mas, uma ida a seco, e de ônibus, adicione-se aos 32 dos ingressos, os 8 das passagens (2 reais por cabeça). O resultado assinala que um filme custa 40 reais. Muito caro. E o povo, e o povo, como é que pode ir ao cinema? Já que não mais existem os chamados cinemas de rua nem os de bairros?
Se formos fazer uma comparação entre o número de salas exibidoras que Salvador tinha em 1958 e o que tem atualmente, a conclusão é uma só: os cinemas estão fechando suas portas. Com uma população de, mais ou menos, quinhentos mil habitantes, a província possuía em torno de quase trinta salas, considerando, no cômputo final, as de primeira linha, os poeiras da Baixa dos Sapateiros, e os cinemas de bairro. Para arredondar o raciocino, que se coloque trinta salas em 1958 para quinhentos mil habitantes, sendo que cada uma delas tinha, em média, mil poltronas, variando entre as salas maiores, de quase duas mil cadeiras, como o Guarany e o Jandaia, e as menores, que beiravam a mil lugares.


Para não haver crescimento das salas exibidores, e considerando, sempre, a densidade demográfica, nos dias que correm – e como correm!, com uma população de dois milhões e quinhentos mil habitantes – e, aqui, nivelando por baixo, Salvador deveria ter, no mínimo, cento e cinqüenta salas, pois a sua população, entre 1958 e 2005, aumentou cinco vezes. O cálculo é simples. Multiplicam-se as trinta salas do passado por 5 e se tem o número de cinemas que a cidade deveria ter e, repetindo-se, sem haver crescimento. Mas atualmente o que se tem é um máximo de trinta e cinco salas e cada uma com um máximo de 400 lugares, a maior parte se localizando nos complexos chamados Multiplex.

Então que se faça uma nova contagem, considerando que cada cinema, em 1958, tinha em média mil lugares e, hoje, trezentos. Trinta vezes mil, em 1958, é igual a trinta mil. Que se coloque, para ficar bem claro, em números inteiros: tinha-se, na província, nesta época, 30.000 lugares e, se o número for multiplicado por cinco, porque a população cresceu cinco vezes, tem-se o número redondo de 150.000. Este, o número que, para não se constatar crescimento, mas, apenas, manutenção, deveria a cidade possuir em número de lugares. Mas o que se tem atualmente? Com a média de 400 lugares e 35 salas, fazendo-se a multiplicação, o resultado é de 14.000 lugares. Que diferença brutal!
Se antigamente o povo ia muito ao cinema, hoje, como disse Gustavo Dahl, há alguns anos, no Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual, não tem acesso a ele. O cinema, que era um meio de comunicação de massa, atualmente é um veículo cujo acesso somente é possível à elite.


Antes, existiam os cinemas de primeira linha, lançadores, que ficavam concentrados no centro histórico, os poeiras da Baixa dos Sapateiros e os de bairro. Luiz Carlos Barreto, que conhece muito bem a mercadologia cinematográfica, afirmou, em recente entrevista no Canal Brasil, que o ingresso custava em torno de um dólar e, nos cinemas de segunda, cinqüenta centavos. É como se hoje o ingresso para entrar numa das salas do Multiplex custasse dois reais e cinqüenta centavos, a inteira, a inteira! Mas quanto custa realmente? Em torno de quatorze reais. Como uma pessoa que ganha a miséria do salário mínimo pode freqüentar as salas de exibição? Ir com a família ao cinema? Nem pensar.


O Plano Real dolarizou a economia de uma forma perversa. O povo está excluído do cinema, assim como a chamada classe média baixa. A conclusão é estarrecedora e reveladora: apenas dez por cento da população baiana pode ir ao cinema, sendo que dois milhões e tanto de pessoas estão completamente fora da rota cinematográfica. Constatou-se, em pesquisa recente, que a maioria dos baianos nunca foi ao cinema. Um grupo organizou uma sessão cinematográfica num bairro periférico e o que se viu foi espantoso. As pessoas ficaram maravilhadas pelas imagens em movimento, pois estavam a contempla-las pela primeira vez. E isto aconteceu na região metropolitana de Salvador!Na década de 50, o Brasil tinha perto de dez mil salas exibidoras. Em 1975, já se contavam apenas cinco mil. No ano passado, chegou a mil e novecentos.


Os cinemas interioranos fecharam suas portas. Assim como aqueles de rua, como os antigos e inesquecíveis da Baixa dos Sapateiros e os de bairro. O que se constata é que os cinemas estão sendo construídos para o usufruto de uma elite que pode pagar os quatorze reais de ingresso, ainda a se refestelar com as guloseimas caríssimas que lhe são oferecidas no fast food. O público se infantilizou e se idiotizou. Ir ao cinema, antes um ritual, uma solenidade, uma função, atualmente é comparável a uma ida ao fast food.

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