quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

"TOCAIA NO ASFALTO"

Petrus Pires filho do Cineasta Roberto Pires grande responsavel pelo resgate da Obra do seu Pai

Por André Setaro

A cópia de Tocaia no asfalto, de Roberto Pires, que se encontrava em vias de extinção no seu negativo original, conseguiu ser totalmente restaurada. É um feito e tanto para a preservação da memória do cinema baiano. Considero este o melhor filme, até hoje, entre as mais de duas dezenas de longas metragens realizados na Bahia. Depois dele, na minha opinião, vem A grande feira, do mesmo Pires, que foi homenageado no ano em curso pela passagem dos 50 anos de seu primeiro longa e primeiro do cinema baiano: 'Redenção', de 1959.

Thriller genuinamente baiano realizado em 1962, que aborda o relacionamento dos políticos com a criminalidade e as idiossincrasias da personalidade de um pistoleiro de aluguel, Tocaia no asfalto, de Roberto Pires, produzido logo após 'A grande feira', é um filme que pode ser visto em dois planos: no plano de sua narrativa e no plano de sua fábula (história). No primeiro, destaca-se sobremaneira a artesania de Pires, o domínio pelo qual articula os elementos da linguagem cinematográfica em função da explicitação temática. Seu trabalho, nesse particular, é de ourivesaria e, aqui, em Tocaia no asfalto, tem-se um exemplo onde a narrativa suplanta a fábula, ainda que os dois planos sempre devam ser observados em processo de simbiose.

Realizado em plena efervescência do chamado Ciclo Baiano de Cinema - 1959-1963, Tocaia no asfalto, atesta o seu vigor e a sua atualidade temática. Duas seqüências podem ser consideradas antológicas e das melhores do cinema brasileiro: a tentativa de assassinato frustrada na Igreja de São Francisco, e a do cemitério do Campo Santo. Pires demonstra o seu apuro, o seu sentido de cinema, o 'timing' raro, um faro, por assim dizer, para 'pensar' cinematograficamente o estabelecimento da 'mise-en-scène' como fator de impacto e de emoção.

Ainda que uma obra formatada nos moldes de uma linguagem clássica -o que não lhe tira de modo nenhum a qualidade, que se fundamenta na chave narrativa da progressão dramática griffithiana, há, no entanto, uma sequência que, sem se ter medo de errar, poder-se-ia chamá-la de eisensteiniana. É aquela na qual Roberto Ferreira tenta se ver livre dos presos num caminhão e tenta intimidá-los com um revólver, ocasionando uma fuga em pleno movimento do veículo, quando vem a morrer o irmão do personagem interpretado por Agildo Ribeiro. A rapidez, com que são expostos os rostos embrutecidos dos pobres diabos que estão no caminhão, tem um ritmo que se assemelha a um 'touch' buscado na concepção de montagem de Sergei Eisenstein. Esta sequência é um 'flash-back', quando Agildo Ribeiro, dançando, sente-se mal e começa a ter pesadelos retroativos.

Assim, Tocaia no asfalto se sobressai pela narrativa impactante que está a serviço do argumento, mas que predomina sobre este. Que versa sobre um pistoleiro contratado para matar um político corrupto (Milton Gaúcho), que, chegando do interior, vai morar num prostíbulo e se apaixona por uma mulher (Arassary de Oliveira). Enquanto isso, um jovem político bem intencionado (Geraldo D'El Rey) pretende instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as falcatruas do grupo do político que está na mira do assassino. Mas as reviravoltas do argumento determinam uma contra-ordem e o pistoleiro, na iminência de matar, é avisado que não mais precisa cumprir o trabalho. Apesar de um matador profissional, tem, porém, seus códigos de honra e prefere ir até o fim naquilo para o qual fora incumbido. Não lembra 'Sargento Getúlio', de João Ubaldo Ribeiro?

Tocaia no asfalto se desenrola em dois ambientes: o ambiente burguês da casa do político, abrangendo as festas, os colóquios e o namoro de sua filha (Angela Bonatti) com o jovem e promissor parlamentar, e o ambiente pobre do prostíbulo comandado com mão de ferro por Jurema Penna e, no qual, o pistoleiro é hospedado, vindo a conhecer uma prostituta pela qual se apaixona. A latere, alguns personagens, como o policial interpretado por Adriano Lisboa, que circula entre os dois ambientes, Antonio Pitanga, outro matador, contratado, desta vez, para matar o outro. Pires, em alguns momentos, através da montagem paralela, tenta mostrar os acontecimentos em perspectiva de simultaneísmo, quando, por exemplo, Agildo e Arassary conversam no Farol de Itapoã.

Notável realizador, Roberto Pires, responsável pelo primeiro longa feito aqui, Redenção (1956-59), pelo seu extremado domínio formal da linguagem, poderia ter ido longe se trabalhasse no exterior, mas as injunções mercadológicas de um cinema caótico, como o brasileiro, determinaram-lhe, por vezes, um recesso forçado. Mas filmes como A grande feira e Tocaia no asfalto bastam para se ter um cineasta.

Não se pode deixar de registrar a funcionalidade da partitura de Remo Usai - que soa como um grito trágico na seqüência final do trem, o bom argumento de Rex Schindler - também produtor, associado a David Singer, e a fotografia de Hélio Silva. E uma pergunta que não se quer calar: por que, com todos os recursos existentes hoje, o cinema baiano não consegue fazer algo parecido com Tocaia no asfalto?

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

TESTE PARA CURTA BAIANO COM ATORES NEGROS



SELEÇÃO DE ATORES E ATRIZES NEGRAS PARA ATUAÇÃO EM UM CURTA



Acontece nesta terça-feira (04/01/11), das 9h às 18h, a audição de atores e atrizes negras para atuação em um filme que será rodado em película. A seleção acontecerá no CDCN (Pelourinho).

As 100 primeiras atrizes e atores à preencherem a ficha de inscrição no local terão prioridade na seleção.

Especificação:
- Experiência em atuação em alguma dessas áreas: Televisão, Cinema ou Teatro (profissional ou comunitário)
- Currículo (mandar por email e/ou trazer no local de seleção)
- Se menor de 18 anos, vir acompanhado do responsável ou possuir autorização assinada pelo responsável

Personagens com diálogo R$ 150,00 (Diária)

1 Mulher gravida de 18 a 27 anos (Atriz pode está gravida ou não)
1 Artista de rap de 18 a 27 anos (Ator pode ter experiência com rap ou não)
1 Primo de 27 a 40 anos
1 Tia de 35 a 65 (Mulher pesando a partir de 100kg)
1 Sobrinha de 13 a 17 anos

Personagens sem diálogo R$ 100,00 (Diária)
2 Policiais - Homens de 30 a 45 anos
3 Jogadores de baralho - Homens de 25 a 45 anos

Figurantes R$ 50,00 (Diária)
2 Garotas poposudas - 18 a 25 anos
3 Meninos de 7 a 13 anos

Serviço:
Seleção de Atores e Atrizes Negras
04/01/11 -- Das 9h às 18h
Auditório do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado da Bahia - CDCN: Rua Ribeiro Santos, 42 – Carmo- Pelourinho (Proximo a escadaria de Jerônimo)
Mais informações: selecao@candacecine.com



CAP ESCOLA DE TV E CINEMA: MATRICULAS 2011 ABERTAS



terça-feira, 4 de janeiro de 2011

OS MELHORES DE 2010

Por André Setaro

Publicado originariamente na revista eletrônica Terra Magazine em 28 de dezembro de 2010.

Com quase 40 anos como colunista cinematográfico, lembro-me como era difícil, chegada a hora de fazer a lista dos indefectíveis 10 melhores filmes do ano, como era árdua realizar a triagem. Havia, para se ter uma idéia, mais de 30 filmes que mereciam entrar na relação, mas, a lista, não se sabe por que, sempre restrita a uma dezena, dava dor de cabeça ao colunista. A situação, nos dias que correm, é totalmente diferente. Há de se suar para se achar 10 filmes convincentes e capazes de figurar numa lista dos melhores filmes do ano. Neste ano, por exemplo, encontrei somente 8 filmes que merecem, realmente, entrar numa relação desse tipo, e mesmo assim...

O que conduz a este resultado paradoxal: os dez melhores filmes de 2010 são oito. Há outros filmes que gostei, mas que não merecem a lista ou a lista não os merece, a exemplo de Um homem sério, dos Irmãos Coen, O segredo de seus olhos, de Juan José Campanella, A ilha do medo, de Martin Scorcese, O homem que engarrafava nuvens, de Lírio Ferreira. Um filme que, tenho quase certeza, estaria no topo seria, se o tivesse visto, Tetro, de Francis Ford Coppola. Também Film socialismo, de Jean-Luc Godard, somente o vi depois de ter já elaborado a lista.

1.) VINCERE (Vincere, 2009), de Marco Bellocchio, com Vittoria Mezzogiorno, Filippo Timi, Fausto Russo Alezi, Michela Cescon. Filme operístico, realizado por um dos mais talentosos cineastas italianos da atualidade (De punhos cerrados, O diabo no corpo, Bom dia, noite), Vincere acondiciona as três constantes temáticas do autor: o sexo, a loucura e a história italiana, na história da primeira mulher, Ida Dalser, do ditador Benito Mussolini que, ao alcançar o poder, rejeita-a e, para fugir à sua perseguição, interna-a num sanatório. Obra de pathos, ópera e cinema delirante.

2.) O ESCRITOR FANTASMA (The ghost write, 2009), de Roman Polanski, com Ewan McGregor, Pierce Brosnan, Kim Cattrall. Ainda que sem a genialidade, a surpresa, a inovação, o frescor, do pretérito, Polanski é um realizador de extraordinário domínio formal de seu veículo comunicante. Sua habilidade está aqui presente nesta obra derradeira que mereceu, no Festival de Berlim, o troféu de melhor diretor. Um homem (Ewan McGregor) é contratado para reescrever e terminar um livro de memórias de um ex-primeiro-ministro britânico (interpretado pelo ex-007 Pierce Brosnan), porque o ghost writer anterior cometera suicídio. A tarefa, porém, se mostrará cheia de acidentes e reviravoltas. Cinema e ao mesmo tempo prazer do cinema.

3.) A FITA BRANCA (Das weisse band, 2009), de Michael Haneke, com Sussane Lothar, Gabriela Maria, Ulrich Tukur, Joseph Bierbchler. Palma de Ouro no Festival de Cannes, filme estranho e insólito (que dá a impressão de uma obra de Dreyer pela plástica das imagens e pela criação do clima, mas sem a espiritualidade deste, muito pelo contrário), Das weisse band reflete sobre as origens do mal numa sociedade rígida, preconceituosa e extremamente rigorosa nos seus mandamentos educacionais. A ação se passa em 1913, numa vila protestante na Alemanha. Crianças e adolescentes de um coral, educadas com rigor, são vítimas de estranhos acidentes que tomam a forma de um ritual punitivo.

4.) BAARIA (Baaria, 2009), de Giuseppe Tornatore, com Francesco Scianna, Margareth Madè, Ângela Molina. Tornatore, diretor de Nuevo Cinema Paradiso, O homem das estrelas, entre outros, é um dos poucos cineastas italianos contemporâneos que fazem jus à tradição do belo cinema de seu país. Baaria é um painel admirável sobre quatro décadas da história italiana, através do acompanhamento de seu personagem desde os anos 30, quando criança problemática, passando pela Segunda Guerra Mundial, até o seu romance proibido e seu ingresso no Partido Comunista Italiano. Saga épica, a vida e a morte, o amor e o ódio. Extraordinária! Partitura do maestro Ennio Morricone.

5.) O BRILHO DE UMA PAIXÃO (Bright star, 2009), de Jane Campion, com Abbie Cornish, Thomas Sangster, Paul Schneider. Neozelandesa que se notabilizou porO piano, ainda que não muito considerada pela crítica arrogante em seus filmes posteriores, mostra, aqui, em O brilho de uma paixão, uma extrema sensibilidade e capacidade narrativa poética para contar o relacionamento do poeta inglês John Keats, um amor poético etéreo e platônico, com a jovem Fanny. O que encanta no filme é o equilíbrio narrativo, e, nos filmes de Campion a arte é mais do que uma forma de expressão, é a forma como personagens transpõem barreiras físicas ou emocionais.

6.) GUERRA AO TERROR (The hurt locker, 2009), de Kathryn Bigelow. Neste filme inesperado, que venceu o Oscar, realizado por uma mulher que foi casada com James Cameron (Avatar), a paisagem da guerra é uma paisagem insípida, desoladora, ainda que com os riscos iminentes, e que faz lembrar algumas obras do grande Samuel Fuller para quem o único heroísmo que existe num conflito bélico é a sobrevivência. Soldados que integram o batalhão anti-bombas no Iraque comem o pão que o diabo amassou. Cada dia concluído de trabalho é um dia a mais na vida deles. Bigelow expõe o vazio existencial da guerra e mostra o aspecto viciante ao qual estão expostos os soldados de um ponto de vista até, poder-se-ia dizer, psicanalítico.

7.) SEMPRE BELA (Belle toujours, 2006), de Manoel de Oliveira, com Michel Piccoli, Bulle Ogier, Lawrence Foster. Como se poderia fazer uma homenagem ou uma revisão de um clássico como A bela da tarde (Belle de jour), de Luis Buñuel? O resultado seria previsível: uma catástrofe. Mas o centenário diretor português Manoel de Oliveira assim não considerou e fez um filme de certa forma surpreendente. Quase quarenta anos depois, as duas personagens de Belle de jour voltam a se encontrar (Piccoli conserva o seu papel original). Mas ela tenta por todos os meios evitá-lo. Oliveira é um cineasta que não pode ser comparado com seus pares, mas separado.

8.) TROPA DE ELITE 2, de José Padilha, com Wagner Moura, André Ramiro, Maria Ribeiro. Nascimento (Wagner Moura), agora coronel, foi afastado do BOPE por conta de uma mal sucedida operação. Desta forma, ele vai parar na inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Estado. Contudo, ele descobre que o sistema que tanto combate é mais podre do que imagina. A corrupção da polícia é mostrada como uma ferramenta de um jogo de poder muito mais complexo. Padilha mostra que tem poder como metteur-en-scène, e, abstraindo-se juízos de valor ideológicos, o filme é eletrizante. Já superou, na bilheteria, Dona Flor e seus dois maridos, como o filme brasileiro mais visto em todos os tempos.