Beto Magno na Casa Tempo Glauber, Botafogo - Rio de Janeiro - JR / 2011Glauber de Andrade Rocha estaria, se vivo estivesse, com respeitáveis 83
anos. Nasceu nos já distantes 1939 (14 de março), quando a Segunda
Guerra Mundial estava prestes a explodir, e desapareceu prematuramente
em 1981 (22 de agosto), aos 42, tendo, como causa mortis, uma septicemia
(infecção generalizada) ao desembarcar, vindo de Portugal, no Rio de
Janeiro.
Muito já se escreveu sobre a obra cinematográfica de Glauber Rocha e,
também, muito já se falou sobre a sua esfuziante personalidade polêmica
por natureza. Há exegeses de todo tipo publicadas sobre a rica
filmografia de Glauber Rocha, mas o melhor livro sobre ele, na minha
opinião, é o de João Carlos Teixeira Gomes (Joca), Glauber, esse vulcão,
editado em 1997 pela Nova Fronteira. Teixeira Gomes era um dos melhores
amigos do realizador e participou de sua juventude agitada na província
da Bahia nos saudosos anos 50.
A amizade, porém, perdurou até o fim da vida do cineasta de Terra em
transe. Assim, além da rica parte biográfica, Glauber, esse vulcão, obra
fundamental para a compreensão do gênio baiano, faz também uma exegese
de sua obra, a contemplar a sua linguagem e a sua estética.
Não vou falar sobre os filmes de Glauber Rocha, pois muitos já o fizeram
(inclusive este comentarista). Quero me restringir à sua polêmica volta
ao Brasil na década de 70, quando foi colocado à margem por grande
parte de seus amigos do Cinema Novo e pela intelectualidade dita de
esquerda.
Acontece que, em 1974, na desaparecida revista Visão, Zuenir Ventura
encomendou a Glauber um artigo sobre o Brasil. O texto publicado veio a
provocar a ira de seus companheiros, porque, nele, Glauber escreveu que a
volta do país à democracia não poderia prescindir do apoio dos
militares progressistas. E elogiou a abertura, lenta, gradual, de
Geisel, chamando o General Golbery do Couto e Silva de “gênio da raça”.
Na sua volta, ao invés de uma aclamação, recebeu a indiferença (e,
segundo William Shakespeare, "a indiferença também é crime" - "Hamlet") e
viu negada a publicação de seus escritos em jornais alternativos como
Movimento, Opinião e até em O Pasquim. O Partidão emitiu ordem no
sentido de que se espalhasse que Glauber estava completamente maluco (na
acepção psiquiátrica). Pessoa muito emocional, sentimental, Glauber
amargou o desespero. Não se apaga fatos históricos (como Stalin
pretendeu fazer em Outubro [1927], de Sergei Eisenstein, quando mandou
tirar as imagens de Trotsky).
Em 1977, quando da morte de Di Cavalcanti, Glauber adentrou o velório,
ao lado do fotógrafo Mário Carneiro, e passeou, com sua câmera, o corpo
defunto do famoso pintor - a família deste, depois, entraria com um
processo na justiça para impedir a circulação do filme, que, apresentado
em Cannes, ganhou a Palma de Ouro de melhor curta metragem. Mas, antes
da proibição (que perdura até hoje), Di Cavalcanti teve negada a sua
exibição numa jornada baiana em 1977. O impedimento de o filme ser
mostrado tem como causa a ordem partidária emitida pelo Partidão em
função da marginalização do cineasta. Enfurecido, ao saber da recusa, o
realizador ataca furiosamente o organizador da jornada e estabelece uma
polêmica em jornais que foi esquecida propositadamente, mas que vale,
agora, ser lembrada.
Nada tenho contra o Partidão, mesmo porque, ainda que nunca fazendo
parte de seus quadros, era, na época, um jovem de pensamento de
esquerda, simpatizante dos comunistas, inclusive. Mas aqui se trata da
constatação de fatos.
A partir de 1978, começam os preparativos para a realização de A idade
da terra, todo financiado pela Embrafilme, com os maiores recursos da
empresa no financiamento de um filme brasileiro. Falou-se, na época, que
houve intervenção de Golbery para a liberação das verbas. O fato é que
Glauber filmou a vontade, e o resultado foi um copião de 40 horas. Como
montar o filme e retirar, no mínimo, 37 horas e meia para ajustá-lo às 2
horas e mais (como ficou o tempo de duração na cópia final)?
Amigo e companheiro de Glauber desde os seus primeiros filmes, Roque
Araújo foi presenteado pelo amigo com as 37 horas e meia de celulóide
para que as vendesse para uma fábrica de vassouras em Niterói. Roque,
sempre atento, desistiu e guardou tudo em seu apartamento. Morto o
cineasta no ano seguinte, Roque aproveitou o rico material excedente e
realizou um documentário precioso como documento histórico: No tempo de
Glauber, no qual estão registrados os bastidores das filmagens de A
idade da terra, inclusive a célebre briga entre Glauber e Valentin
Calderon de La Barca, então diretor do Museu de Arte Sacra dentro do
qual Glauber queria filmar um ritual dançado por freiras desabusadas.
A irritação pegou foto quando Glauber, já a morar em Portugal, abraçou
efusivamente o General João Figueiredo quando este estava a visitar o
país. O abraço, no entanto, é simbólico. Figueiredo, presidente,
representava o Brasil e promovia a abertura. Já tinha sido promulgada a
lei da anistia, a censura se encontrava branda, e Glauber, neste ato
simbólico, o que queria, na verdade, era abraçar o Brasil. Mas a
esquerda não o perdoou. A morte de Glauber talvez tenha muito a ver com
esta marginalização que sofreu de seus companheiros de luta. Falou-se,
na época de sua morte, de um assassinato cultural.
Em Glauber, o filme – Labirinto do Brasil, documentário de Sílvio
Tendler, as cenas do sepultamento de Glauber – proibidas de serem
veiculadas por mais de vinte anos por sua mãe, Dona Lúcia Rocha –
mostram todos seus companheiros e amigos do peito do Cinema Novo. Todos
se encontram emocionados, tristes, muitos a chorar. Lágrimas de
crocodilo? Parece que não. Aqueles que fizeram de tudo para
marginalizá-lo estavam todos lá, contritos. A morte funcionou como uma
redenção. Glauber foi sacralizado. E mostras e homenagens foram
realizadas por muitos que o chamaram de maluco e coisas que tais.Glauber
de Andrade Rocha estaria, se vivo estivesse, com respeitáveis 83 anos.
Nasceu nos já distantes 1939 (14 de março), quando a Segunda Guerra
Mundial estava prestes a explodir, e desapareceu prematuramente em 1981
(22 de agosto), aos 42, tendo, como causa mortis, uma septicemia
(infecção generalizada) ao desembarcar, vindo de Portugal, no Rio de
Janeiro.
Fonte: Texto do saudoso professor André Setaro / 2010
* Atualizado a idade de Glauber Rocha
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