Lula Martins
Por Wilson midlej
MORRE AOS 80 ANOS, O ESCRITOR, ATOR, POETA, PINTOR, ESCULTOR, DIRETOR, FOTÓGRAFO, CINEASTA, COMPOSITOR E CANTOR BAIANO, LULA MARTINS
Confirmação oficial às 23:34
Acabo de receber a triste notícia do falecimento, neste 8 de julho de 2024, às 23:34h de Antônio Luiz Silva Martins, ator, escritor, poeta, pintor, escultor, diretor, cantor, artista plástico, fotógrafo, cineasta, documentarista, pesquisador e compositor, para todos, apenas, Lula Martins, uma das figuras mais lendárias da contracultura no Brasil.
Nascido em Itagi, em 1944, o garoto Antonio Luiz foi alfabetizado por sua mãe, daí seguiu para Ubatã e em seguida para Ipiaú, já que seu pai, o também poeta Hermes Martins, fora transferido para aquela cidade como comprador de cacau, representando o grupo Corrêa Ribeiro & Cia.
Em Ipiaú, Lula completou o ginásio, participou de peças de teatro dirigidas por dona Delinha, mãe da professora Wanda Santiago e sogra do professor Tatai. A atividade cultural lhe marcou tão intensamente que passou a se interessar por literatura e teatro, acabando por influenciar a juventude da época.
Lula Martins foi um dos mais importantes agitadores culturais de Ipiaú, dirigindo jograis, elaborando atividades com os colegas de ginásio, cometendo algumas “invenções” com circuitos elétricos e com peças de madeira. Lula, considerado uma espécie de gênio atemporal, começou a pintar quadros, fazer esculturas, compor músicas e textos interessantes.
Na 1ª Expo de Ipiaú, a pedido de Euclides Neto, criou o célebre slogan para anunciar a concentração de gado de raça e novas tecnologias na agricultura, para a alegria do prefeito de Ipiaú:
“DA FORÇA DA TERRA, UM ENCONTRO DE RAÇA”
Neste recorte demonstramos a criatividade e sutileza do escritor que viria a ter mais de uma dezena de livros publicados:
“Sobre a porta da entrada da casa de minha amada havia um corno pendurado. Lembrava costumes que vi quando em Itagi, Aiquara, cidades da minha infância, onde é comum encontrar nas estacas e sobre portas e porteiras dos currais estes cornos, que, segundo a crença, atuam como filtros contra mau olhado e energias negativas.
Tio Pedro me contou e eu acredito, que um dia, um rebanho conduzido para o curral da sua fazenda mudou para sempre a sua vida. Uma vaca cujo nome não me lembro, ao passar pela cancela deparou e logo reconheceu, o corno de um certo boi que ela muito amava. Um mugido de dor assombrou aquele fim de tarde. A vaca paralisada diante do corno mugia a sua dor enquanto abundantes lágrimas corriam dos seus olhos. O vaqueiro se apressou em tocar o rebanho, mas, foi contido por tio Pedro penalizado com a cena e foi quando a vaca falou;
-Comeram o Campeiro! Miseráveis! Eu o amava! Era o meu marido e agora não passa de um corno enfeitando a porteira...” Trecho inserto no texto “O CORNO” de 1966
Visitando outros textos publicados por Lula, encontrei a sua crítica sobre o desinteresse de autoridades na manutenção do Cine Eden da época. Vejamos:
“O Cine Éden foi a minha escola de cinema. Ali eu tive a oportunidade de assistir incontáveis filmes de todos os gêneros e qualidades. O saudoso amigo João Mota era o gerente proprietário, Dren pintava os cartazes, trabalhava ali também Pedro Hage, e Jovelito era o meu assistente.
Anos depois da falência e encerramento do cinema, de passagem por Ipiaú, uma turma de cinéfilos e interessados pela cultura local, me procurou pedindo para falar com Hildebrando Rezende então prefeito da cidade, da importância do tombamento do Cine Éden. Hildebrando me disse que não poderia atender ao meu pedido, pois estava comprometido com a exigência da Secretaria de Cultura do Estado, cujo secretário era o poeta Capinan, na compra de um circo para eventos mambembes de conscientização política de esquerda. O agente do negócio que, quando me viu chegar à prefeitura para falar com Hildebrando, em minha frente, cheirou uma longa carreira de cocaína e me agrediu com palavras violentas. Eu contra argumentei que não o conhecia nem estava ali para falar com ele e sim com o prefeito. Disse para Hildebrando que o cinema fazia parte da tradição da cidade, e dos problemas que ele poderia ter, já que um circo requeria profissionais qualificados, tinha uma manutenção cara e que em menos de um ano o circo não existiria.
Que tal?... Não durou seis meses. Dizem que a lona apodreceu e o palhaço levou o que restou do circo. O dinheiro que foi pro ralo da maracutaia esquerdista daria para tombar o Cine Teatro Éden".
Pois é... devo ficar por aqui. A imprensa brasileira publicou farto material durante a trajetória de Lula. Em tudo que fez, sempre foi manchete. Na música, “Rock Mary” ficou em primeiro lugar nas paradas durante muito tempo; como escultor, foi premiado na Bienal de São Paulo, o filme em que foi protagonista “Meteorango Kid, O Herói Intergalático”, foi um marco da contracultura do seu tempo.
Sua estética ia além com as belas capas de LPs que fez para tantos artistas são verdadeiros documentos visuais da cultura de vanguarda produzida no país. Lula Martins era multimídia? Polimorfo, exilado de capela? Sei lá... mas era um ser extemporâneo. Como os beija flores de sua música, pulava de cor em cor, de sabor em sabor, com pureza e profundidade. Lula era extremamente informado. Um leitor compulsivo e um repositório de conhecimentos gerais.
Convivemos muito. Escrevemos juntos o roteiro do filme Anésia Cauaçu, que integrava o projeto “Caminhos do Sol”.O filme não saiu, por motivos exaustivamente relatados, publicados, chorados e lamentados... coisas de falta de engajamento... fazer o que? Acabou virando livro.
Por exigência de Lula, desempenhei a difícil tarefa de transformar um roteiro de cinema em livro. O normal é o contrário...
Como disse o cineasta André Luiz Oliveira, na orelha do livro de Lula, MÁGICAS MENTIRAS, sobre a impressão que ele passava quando em sua época de convívio com o grupo em 1968: “(...) estávamos num momento de puro embevecimento com o seu discurso moderníssimo, de um cinismo revolucionário, absolutamente explosivo e encantador...”
Lula era isso e se tornou ainda mais lúcido e maior, com o tempo.
Temos inúmeros episódios vividos e registrados na memória. Você acabou conquistando o espaço físico que queria, Pinduca. Lá na linha verde, perto de Massarandupió, começou com uma pousada, que poderia dar muito dinheiro. Se fosse essa a sua prioridade. Mas, um studio só seu, uma prancheta de desenho, cavalete de pintura, gravador, caixas de som, cenário exuberante montado pelas divinas deusas da arte. Você partiu usufruindo da paz que tanto procurava.
Seus filhos, Alef, Teo, Guriatã e Naia, são testemunhas de tudo isso. Só não puderam ser testemunhas oculares dos elos de amizade que nutríamos por Lula. Às vezes, o quarto de hóspedes, eventualmente ocupado por Lula Martins ficava intacto já que amanhecíamos na varanda trançado no papo, com vinhos e chás, já que ele não suportava bebidas alcoólicas ou cigarros da indústria. Segundo ele, fumo... só unzinho de vez em quando.
Vamos sentir falta, Lula Pinduca. Que seu destino seja clarificado pela a luz divina.
* Wilson Midlej é Jornalista e Bacharel em Direito.
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