terça-feira, 6 de outubro de 2009

NOVÍSSIMO CINEMA SÓ NO RIO DE JANEIRO?

Luiz Paulino dos Santos
Por Cid Nader. Jornalista, cozinheiro e editor do site de Cinema www.cinequanon.art.br

Uma empreitada bastante interessante – e que coaduna (diria que completa) demais com o jeito dos idealizadores pensarem na importância do cinema brasileiro – está para ganhar vida, a partir da próxima segunda-feira: é o projeto, Novíssimo Cinema Brasileiro , que passará a ganhar espaço no lendário Cine Glória (Rio de Janeiro), e que terá como meta principal a popularização (no sentido de possibilitar a visita de um público cerceado pelo domínio das grandes produções) de uma fatia “obscurecida” do melhor cinema realizado no país.

elas palavras de seus idealizadores/mentores/condutores… Eduardo Valente e Lis Kogan: “...a idéia principal do NOVÍSSIMO é não só passar filmes de que gostamos muito, mas passá-lo pra uma platéia que achamos que pode não só ver grandes filmes como formar uma comunidade em torno da idéia de poder pensar, discutir, ver, e criar a cada mês o tal do Novíssimo Cinema Brasileiro. por motivos óbvios essa platéia/comunidade será eminentemente carioca, mas queremos passar filmes do Brasil todo e estar em contato com o máximo de pessoas independente da localização. Por isso, pra nós, era muito importante deixar vocês conhecerem e saberem que o projeto existe e que estamos querendo ouvir de todos que quiserem falar conosco sobre ele”.


São duas pessoas bastante conhecidas do nosso meio crítico/cinematográfico, e a aposta óbvia é de que um grande canal está sendo aberto e renderá: principalmente por sua competência e conhecimento de causa.


Já existe um site, diria, um blog(http://novissimocinemabrasileiro.blogspot.com/), para ser conferido – em estado de construção ainda (sem cara totalmente definida).


Na primeira edição desta segunda, a programação promete média-metragem de André Sampaio, “Estafeta – Luiz Paulino dos Santos” e um curta inédito seu, “Netuno, Morada do Sol”; além de um trailer de seu primeiro longa ficcional, “Strovengah”.

Duas coisas pra terminar: sorte dos cariocas que terão esta tentativa na esquina de casa; e, vi no blog/site deles duas chamadas para duas críticas do “Estafeta”, e aproveito para colocar, abaixo minha crítica, feita, também, na “Mostra de Cinema de Ouro Preto”.

Boa sorte!


“Estafeta – Luiz Paulino dos Santos”, documentário de André Sampaio – digital – 52 min – 2008 (por Cid Nader)


A figura de Luiz Paulino dos Santos (foto 3) é meio messiânica nos dias de hoje, e o comportamento ainda é de cineasta – havia entrado na sala de imprensa com sua barba comprida e branca, estatura baixa, jeito de oriundo dos rincões do sertão, filmando com uma pequena câmera digital a tudo e a todos. É figura que habita os conhecimentos de quem está mais dentro do mundo do cinema – pouco conhecido pelos leigos -, principalmente por conta da conturbada história da realização do clássico “Barravento”, dirigido por Glauber Rocha. Acaba comparecendo nos letreiros do filme como produtor da obra – função que mais o marcou na história da confecção de filmes -, mas o que existe por trás parece ter determinado fortemente o que sucedeu em sua vida particular.


Resumindo: foi o autor da idéia do filme e o primeiro diretor contratado para realizá-lo; mas como é de conhecimento geral, “Barravento” acabou dirigido por Glauber. O documentário do carioca André Sampaio evidencia uma das versões para que a troca de diretores tivesse ocorrido. Narrada da própria boca de Paulino, bota força na versão que diz ter ele se preocupado demais com o tempo de preparação dos atores e com a sua não conivência, ou concordância, com os tempos de ação exigidos pelos produtores. Foi destituído e acabou indicando Glauber para a direção da obra. Essa é uma das versões, a particular, mas que o documentário evidencia como uma ação que não deixou mágoas ou ressentimentos, como algo que impedisse o porvir de relação entre os dois – há algumas, extra-oficiais, sendo que a mais forte fala de uma súbita paixão que ele teria sentido pela primeira atriz pensada para o trabalho, que o teria tirado do prumo, atrasado o trabalho, e feito com que ele gastasse parte do dinheiro na relação.


O trabalho documental de André é correto; um tanto “quadrado”, mas, talvez, acertado em tal opção mais comedida. Há figuras que falam por si. Há figuras desconhecidas e que ganham por parte dos documentários um veículo de divulgação. André Sampaio pretende apresentar um Paulino para quem não conhece – e aí é exato, deixando que ele conte suas mazelas -; pretende reapresentá-lo a quem já sabe dele e de sua mazela – e aí é exato, porque traz para primeiro plano a vida “desconhecida” dele, a subseqüente (aliás, bastante pitoresca, inventiva, com intromissão até na seita do Santo Daime). Se é um pouco “quadrado” em sua opção de apresentar com calma e sem sustos sua história, termina belo, com as imagens e as músicas do ritual do Daime.


domingo, 4 de outubro de 2009

DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL

Por Beto Magno

Glauber Rocha, possivelmente o mais genial cineasta Brasileiro, já vinha de um curta memorável, O Pátio (1959), e de um primeiro longa mítico, Barravento (1962), quando rodou este que é considerado por muitos o maior filme brasileiro já feito. Na verdade, algumas raras vezes ultrapassado por Limite (1962), de Mário Peixoto, e por outro do mesmo diretor baiano, a obra-prima Terra em Transe (1967). Mas Deus e o Diabo na Terra do Sol pisa em terreno sagrado do cinema nacional, que é o Nordeste brasileiro, espaço simbólico que representa a realidade do País, suas origens e marginalidade em contraste com grandes centro urbanos. Nos anos 60, com a efervescência do debate político, ás véspera do golpe militar de abril de 1964, o longa ganha a importância suprema.

Glauber Rocha, diferentimente do que se via nos documentários e do que outros cineastas fizeram nos anos 90, não glamoriza a região, tampouco enxerga seus habitantes como coitadinhos. A luta de Manoel (Geraldo Del Rey), boiadeiro que se rebela contra a exploração do seu cruel patrão e parte, com a mulher, Rosa (Yoná Magalhães), á procura de um líder, é complexa, insolúvel, cheia de escorregões e acertos. Ele seguirá primeiramente um líder religioso, Sebastião (Lídio Silva), que prega o olhar para Deus e renúncia aos bens materiais. Depois, enganjam-se na luta armada de Corisco (Othon Bastos), líder de um bando de sanguinário e consciente de que o projeto político caiu por terra. Em meio a tudo isso, encontra-se o mais esclarecido de todos, o mercenário Antonio das Mortes (Maurício do Valle).

Antes de lançar o seu manifesto A Estética da Fome, em 1965, no qual elaborou um estilo e meios de produção que dessem conta das condições materiais precárias do Terceiro Mundo, Glauber já colocou em prática aqui alguns desses procedimentos. Seu programa pretendia captar a urgência do real e, ao mesmo tempo, deixar evidente seu caráter de encenação, de representação e de metáfora. Em Deus e o Diabo na Terra do Sol, o resultado é uma visão critica do país traduzida num faroeste encenado como ópera musicada com cordel (escrita pelo próprio Glauber e por Sérgio Ricardo). O diretor tambêm usa a Bachianas nº 5, de Heitor Villa-Lobos, como trilha da sequência que ficou célebre, em que corísco e Rosa se beijam e a câmera gira em torno do casal.
Revista Bravo! (Filmes essenciais da história do cinema)

A CONQUISTA DO NOVO CINEMA

Esmon Primo

Na quinta edição, Mostra Cinema Conquista traz seis dias de sétima arte para a cidade
A primeira edição da Mostra aconteceu em 2004 entre os dias 26 de março e 03 de abril. Ainda em funcionamento, o Cine Madrigal foi um dos espaços do evento, assim como a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb). O público conquistense pôde, pela primeira vez, sentir o frisson de um evento voltado somente para o cinema. Exibições de vídeos, longas e curtas-metragens, além de seminário e palestras, compuseram o quadro de atividades que foram realizadas no evento.
Em 2006, os amantes da sétima arte se encontraram novamente para prestigiar as novas produções nacionais e internacionais que estavam nas grandes salas de cinema. Entre os dias 13 e 20 de maio, as pessoas assistiram e discutiram o reflexo cinematográfico brasileiro e mundial. A Uesb, o Cine Madrigal e o Bairro Brasil, com uma tenda de exibições aberta à participação da comunidade, foram escolhidos como espaços fixos de realização do evento.
De 17 a 24 de novembro de 2007, com uma dimensão ainda mais ampla, a cidade do frio recebeu cineastas, produtores, pesquisadores e cinéfilos para acompanhar a programação de filmes – muitos deles acabavam de entrar no circuito nacional de exibição – e participar dos debates oficiais. Outros bairros receberam exibições de filmes, provando o sentido democrático da sétima arte, mas, com o fechamento do Cine Madrigal – uma das últimas salas clássicas de cinema na Bahia –, a Mostra Cinema Conquista migrou para o Centro de Cultura, além da Uesb com os espaços oficiais que abrigaram seminário, cursos e lançamentos de livros lançando novos olhares e discursos sobre o cinema e demais produções audiovisuais.
No ano passado, 2008, a Mostra aconteceu de 7 a 11 de outubro. Além da exibição de filmes, seminário, oficinas, debates, encontro e lançamento de livros, o evento trouxe, também, em parceria com a fundação Tempo Glauber, a exposição “Glauber Rocha: uma revolução baiana”, que já havia sido exposta no Rio de Janeiro e em Salvador. Os participantes da Mostra se deleitaram com os painéis e filmes que contam a história do ilustre cineasta conquistense e traz à tona um pouco do legado dele para o cinema mundial. Uma outra exposição, “Práticas Sociais de Cinema”, também fez parte da programação desta quarta edição da Mostra.
A quinta edição da Mostra também traz novidades. Além de toda a programação oficial, depois de duas edições em que os filmes nacionais foram o foco das exibições, o evento volta a dar espaço para as produções estrangeiras. Dos 10 longas-metragens que serão exibidos, cinco têm assinatura de outros países.
A Mostra Cinema Conquista – Ano 5 também homenageará o cineasta, jornalista, escritor e diretor teatral Orlando Senna. O artista, que milita em prol do cinema brasileiro desde a década de 60, estará presente para participar de seminário, lançar livros e exibir quatro dos seus filmes (dois curtas e dois longas). Será mais uma chance de aprender, debater e refletir sobre o novo cinema.
A Mostra é uma realização da Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista (PMVC) e da Uesb, por meio da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo e do Programa Janela Indiscreta Cine-Vídeo Uesb, com a correalização da Casa da Cultura de Vitória da Conquista. A Mostra Cinema Conquista – Ano 5 tem como patrocinadores o Ministério da Cultura – Secretaria do Audiovisual, por meio do Fundo Nacional da Cultura, e o Governo do Estado da Bahia – secretarias da Fazenda e da Cultura, por meio do Fundo de Cultura da Bahia.


Texto: Glauber LacerdaAssessoria de Imprensa – Mostra Cinema Conquista – Ano 5Agência vOceve Multicomunicação

5ª MOSTRA DE CINEMA DE VITÓRIA DA CONQUISTA


“Cinema e Audiovisual no Brasil: alternativas de produção e difusão”. Esse é o tema do seminário promovido pela Mostra Cinema Conquista – Ano 5, que pretende realizar ricas discussões sobre as formas de se construir e divulgar a sétima arte (e as principais características relacionadas ao audiovisual) no país. Para tanto, o evento recebe pesquisadores e realizadores, divididos em três mesas temáticas.
O seminário tem abertura com uma conferência realizada pelo homenageado da Mostra, o cineasta, roteirista e escritor baiano Orlando Senna, na quarta-feira, 7, às 14h30, no Teatro Glauber Rocha da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), onde acontece toda a programação do seminário.
A primeira mesa de discussão, que se realiza às 9 horas da quinta-feira, 8, traz como tema “Difusão alternativa em cinema e audiovisual no Brasil” e conta com os seguintes integrantes: a produtora de curtas e longas-metragens e coordenadora geral do projeto Lanterninha, Maria Carolina Silva; a representante da Casa Curta-SE, Rosângela Rocha; o editor do site Coisa de Cinema e organizador do Panorama Internacional Coisa de Cinema, Cláudio Marques; e o jornalista, documentarista e diretor da TV USP, Pedro Ortiz.
Pela tarde, a partir das 14 horas, o tema em discussão é “Produção alternativa em cinema e audiovisual”, contando com a participação do coordenador do Colegiado do Curso de Cinema e Audiovisual com ênfase em Documentário da Universidade Federal do Recôncavo (UFRB), Danillo Barata; a presidente da Associação Brasileira de Documentaristas (ABD), Solange Lima; o secretário de Cultura de Paulínia (SP), Emerson Alves; e a representante do projeto Cinema e Educação (Cineduc), Bete Bullara.
Por fim, na quinta-feira, 9, às 9 horas, a mesa discute “Diagnóstico e perspectivas da produção e difusão em cinema e audiovisual no Brasil”, composta pelo diretor-executivo do Fórum dos Festivais Audiovisuais Brasileiros, Antônio Leal; o roteirista, produtor, professor e pesquisador de cinema, Ataídes Braga; e a realizadora do projeto de Mapeamento da Filmografia Baiana, Laura Bezerra.
Para participar das discussões, é preciso se inscrever, gratuitamente, aqui mesmo no site do evento, clicando no link “Inscrições”, ou na sala do projeto Janela Indiscreta Cine-Vídeo Uesb, no 1º andar do módulo da biblioteca da Uesb. Não deixe de participar. Vamos falar de cinema.


Assessoria de Imprensa – Mostra Cinema Conquista – Ano 5Agência vOceve Multicomunicação

sábado, 3 de outubro de 2009

CURSO DE INTERPRETAÇÃO PARA TV, E VIDEO

Por Beto Magno

Acredite em você! Estão abertas as inscrições para os cursos de interpretação para TV na CAP ESCOLA DE TV EM SALVADOR com a professora, atriz e diretora Rada Rezedá em Salvador. Têm cursos voltados à atores iniciantes, reciclagem de profissionais, jornalistas, oradores e diretores de cenas. No programa aulas de interpretação de texto, gravação, dicção, memorização e improvisos teatrais.

Outros cursos estão sendo oferecidos neste segundo semestre: roteiro, produção, teatro e canto. Turmas para crianças, adolescentes e adultos. Mais informações pelo telefone 71 8774-8870. Clicando no banner ao lado você entra no blog da Cap Escola de TV. Se você quer uma oportunidade para entender a linguagem da TV e garantir um extra no mercado televisivo e publicitário a hora é agora, não deixe de fazer esse curso. A Cap Escola de TV esta fazendo elenco de várias produções para publicidade, TV e cinema.

CINEASTAS BAIANOS CONVERSANDO COM ALUNOS DA CAP-ESCOLA DE TV EM SALVADOR.

No Estudio da Cap Escola de Tv em Salvador

Lula Wandeoursen, Rada Rezedá e Lázaro Faria

lll BAHIA AFRO FILM FESTIVAL


De 19 a 27 de novembro de 2009, será realizado em Cachoeira no recôncavo da Bahia, a terceira edição do festival de cinema internacional Bahia Afro Film Festival.

Cachoeira-BA já é uma cidade cinematográfica a muitos anos, ali foram filmados importantes filmes da cinematografia nacional e internacional, novelas, comerciais para televisões de todo o mundo, já era hora de ter um festival de cinema internacional, pois não ah duvidas sobre sua importância cultural no cenário brasileiro, principalmente quando se fala de raízes e ancestralidade.

Durante estes 10 dias do festival, serão projetados os mais importantes filmes da cinematografia que enfoca temas ligados aos afro descendentes de todo o mundo, estão sendo convidados importantes personalidades deste cinema, como Warrington Hudlin and Black Filmmakers Foundation de NY, Ralph Ziman da África do Sul, diretor do Belíssimo Jerusalema, Boubakar Diallo de Burkina Faso, diretor de Coer de Lion, Daniel Kamwa de Camarões, diretor de Ma Sâsâ (Mâh Saa-Sah), Adama Drabo e Ladji Diakibi, do Mali, diretores de Fantan Fanga (Lê Pouvoir des Pauvres), Kalthoum Barna da Tunísia, diretor de L’Autre moitié du ciel (Shtar M’haba)

Além da Amocine de Moçambique que atraves do diretor Zego, estara fazendo uma curadoria de filmes Moçambicanos para o BAFF, estão sendo convidados também, diretores Brasileiros que tenham filmes dentro da temática do festival, como Joel Zito, Zozimo Bulbul, Flavio Leandro, Paulo Bety com o filme Cafundó que se destacou no Festival de Burkina Fasso, e Lilian Solá Santiago, que ganhou o premio de melhor filme na ultima edição do BAFF.

Diretores baianos também serão convidados a terem suas obras na mostra competitiva ou na paralela, como Pola Ribeiro com o seu “Jardim das Folhas Sagradas” e Ceci Alves com o seu lindo “Doido Lelé” alem do próprio Lázaro Faria com o seu “A Cidade das Mulheres” que tem participação da Irmandade da Boa Morte.
Estarão tambem presentes no evento, Antonio Pitanga, Elza Soares, Zezé Motta e Lázaro Ramos.

O III Bahia Afro Film Festival ja tem o apoio da Universidade do Federal do Recôncavo, do Centro Cultural Dannemann, do IFHAN e do Ipac, do Fundo Estadual de Cultura, da Secretaria do Audiovisual, da Fundação Palmares e do Ministerio da Cultura.

Serão realizadas duas oficinas, uma de produção cinematografica e outra de preparação de atores, todas voltadas para o filme À Procura de Palmares que sera todo rodado no município de Cachoeira e São Felix.

Imagine todo o povo negro junto, esta é a formula que esta preparando Lázaro Faria para que Cachoeira e a Bahia tenham mais ainda visibilidade no senario cinematográfico internacional.



sexta-feira, 2 de outubro de 2009

DIAS DE NIETZSCHE EM TURIM


Beto Magno

Este filme é uma espécie de biografia. Só que ela conta apenas um período da vida do escritor/filósofo alemão Nietzsche. De um dos períodos que ele passou na Itália.

Fernando Eiras interpreta Nietzsche magnificamente. sempre com um semblante tranquilo que passa tanto a paixão de uma pessoa por particularidades da vida. Como a loucura de um filósofo que entende os pormenores da humanidade. Seu bigode característico e inconfudível e a narração em off, intensificam a alma atormentada de um humano, demasiado humano.

As imagens do filme são maravilhosas, de uma beleza estética incrível. A fotografia é igualmente incrível. Os planos que foram escolhidos sempre ajudam a compor a narração do filme. Em todo momento há trechos dos livros sendo citados. Assim falava Zaratrusta, O anticristo, Crepúsculo dos ídolos, Além do bem e do mau, Ecce Homo, Humano, demasiado humano e outros. Somando junto com as imagens, estas ferramentas se tornam necessárias para enterdermos, ou a menos tentarmos, entender a mente de Nietzsche.

Há cenas incríveis dele junto com a família, onde ele está hospedado. Geralmente eles conversam sobre música e a confusão do momento chega a ser angustiante quando não consegue-se distinguir por qual das filhas da família Nietzsche poderia estar apaixonado. É em uma destas cenas que ele solta a máxima: "Minha vida seria um erro sem a música".

Dias de Nietzsche em Turim não é um filme como qualquer outro filme biográfico. Ele é totalmente o que se convenciounou chamar de filme de arte. São cenas paradas sem muita ação, alguns momentos chegam a ser sonolentos. Acredito até que para passar um certo tédio pelo qual Nietzsche passa em certos momentos niilisticos. Não é um filme fácil de assistir. No entanto, se você gosta de Nietzsche, filosofia, filme-arte e Julio Bressane. É uma ótima oportunidade de ver além de um belo filme, conhecer a outra face do cinema nacional que se mantém viva desde que surgiu o cinema underground.

É claro que há filmes melhorese mais interessantes tanto no cinema underground quanto do próprio Julio Bressane. Mas o anti-clima das produções das grandes produtoras nacionais e a ousadia de fazer um filme de um filosofo alemão do final do século dezenove falado em português, acrescentam a este filme o status de cult e ainda um cult underground nacional. Imperdível.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Filme sobre capoeirista baiano Besouro Mangangá é superprodução



Ivan Dias Marques Redação CORREIO

Berimbau... Cânticos... Palmas... Roda... Jogo... Saltos... Câmera... Ação! A capoeira saiu das senzalas e ganhou a liberdade com muita luta e gana. Exportou-se. Agora, a arte vai ganhar as telonas. E não haveria lugar melhor do que a Bahia para servir de inspiração para Besouro, longa-metragem que conta a história do mais mítico dos capoeiristas da história e que estreia nos cinemas em 30 de outubro.

Nascido em Santo Amaro da Purificação, Manoel Henrique Pereira (1897-1924), o Besouro Mangangá, pode ser novidade para muitos leitores e futuros espectadores, mas é velho conhecido das rodas de capoeira em cânticos, onde é tão relembrado quanto os mestres Pastinha e Bimba. Descrito como valente e mulherengo, ele tinha o ‘corpo fechado’ pelos orixás, o que era explicação para fugas mirabolantes. Batia em policiais e morreu, segundo as histórias, vítima de ‘trairagem’.

Mito
No livro Mar morto (1936), Jorge Amado (1912-2001) dedica um capítulo a Besouro. O escritor afirma que o mito é mais importante do que os senhores e os nobres de Santo Amaro: “A estrela de Besouro pisca no céu. É clara e grande.Um dia voltará para se vingar. Voltará outro, ninguém saberá que é Besouro. A sua estrela desaparecerá do céu, ele brilhará na Terra”.

Coube a um capoeirista, natural de Lençóis, trazer Besouro de volta em forma de interpretação. Aílton Carmo, 22, estava na Bélgica, chegou no segundo teste de elenco do filme, foi “tesourado” pelos concorrentes (gíria que significa ser boicotado no jogo), mas acabou ganhando o papel de protagonista. “É muito importante para mim representar o Besouro. Por ser negro, capoeirista. Sei quem era ele”, afirma o artista, que enfatiza a importância para a cultura capoeirista que não fosse qualquer um que interpretasse a lenda.

O ator faz questão de dar crédito à preparadora de elenco Fátima Toledo (Cidade de Deus), 55, conhecida pelos métodos “diferentes” (e eficazes) de afinar os atores para atuar. De acordo com Aílton, a alagoana sugou a alma dele num trabalho considerado por Aílton muito duro: “Ela conseguiu fazer de mim o Besouro guerreiro”, conta.

O longa é baseado no livro Feijoada no paraíso, do escritor carioca Marco Carvalho. O estreante diretor João Daniel Tikhomiroff, 59, construiu uma trama que envolve o mito em ação, romance, religião e história. “O filme baseia-se no livro, mas não se prende a ele nem aos personagens reais que fizeram parte da vida de Besouro. Não se trata de um filme biográfico, nem histórico. É ficção, uma verdadeira fantasia, baseada nas lendas sobre um homem extraordinário”, explica o cineasta carioca.

Para Aílton, que pretende seguir a carreira de ator (mas sem esquecer a capoeira), o filme serve também para a preservação da cultura brasileira e baiana: “Acho um resgate da figura de Besouro, que estava sumido.”

Superprodução
O Besouro não é um filme qualquer mesmo. Além de trazer a história de um mito nacional para o grande público, o longa-metragem, orçado em R$ 10 milhões, teve uma produção poucas vezes vista no cinema brasileiro. Apesar de ser a sua estreia na telona, João Daniel Tikhomiroff tem um currículo respeitável como publicitário: ele ganhou 41 Leões no Festival Internacional de Publicidade de Cannes, sendo um dos brasileiros mais premiados no evento.

Os efeitos especiais nas lutas foram comandados pelo chinês Huen Chiu Ku, que trabalhou nas coreografias de Matrix (1999), O tigre e o dragão (2000) e Kill Bill (2003/2004). Com ele, os saltos que Besouro dava ganharam tamanho proporcional às lendas. Uma delas conta que ele, após ser alvejado diversas vezes, levantou-se e pulou de uma ponte, só aterrissando do outro lado, para espanto de todos. “Foi meio estranho fazer, amarrado com cabos, alguns movimentos da capoeira a que eu estava acostumado”, lembra Aílton Carmo, que gostou do resultado final no filme, apesar de só ter visto parte dele ainda.

A fotografia de Besouro é do equatoriano Enrique Chediak, vencedor de um Sundance por Hurricane (1997). O filme ainda tem produção associada de Daniel Filho, distribuição da Buena Vista International, documentário e making of realizados por Kátia Lund (co-diretora de Cidade de Deus) e fotos de Christian Cravo. A qualidade final fez com que o filme, mesmo antes de chegar às salas, fosse um dos pretendentes à indicação brasileira ao Oscar 2010.

Trilha
A música de Besouro é um caso à parte. A direção é de Rica Amabis, de projetos como o 3 na Massa e Instituto: ele convidou o mestre Gilberto Gil para a fazer o tema, arranjado pela Nação Zumbi e com participação do percussionista Naná Vasconcelos. “Trata-se de falar de um herói brasileiro, negro, ligado à capoeira e ao candomblé, que são aspectos da nossa cultura só recentemente legitimados na sociedade brasileira. Por isso, tive muito cuidado pra fazer a música”, declarou Gil.

PENSAMENTO GLAUBERIANO


Por Beto Magno

"Nosso cinema é novo porque o homem brasileiro é novo e a problemática do Brasil é nova e a nossa luz é nova e por isso nossos filmes nascem diferentes dos cinemas da Europa.

No Brasil, o Cinema Novo é uma questão de verdade e não de fotografismo. Para nós, a câmera é um olho sobre o mundo, o travelling é um instrumento de conhecimento, a montagem não é demagogia mas a pontuação do nosso ambicioso discurso sobre a realidade humana e social do Brasil!

Temos que multinacionalizar, internacionalizar o mundo dentro de um regime interdemocrático, com a grande contribuição do cristianismo e de outras religiões, todas as religiões. O cristianismo e todas as religiões são as mesmas religiões. Entre o entendimento dos religiosos e dos políticos convertidos ao amor..."

Pensando como os gênios, Glauber anteviu a globalização!

CINEMA E PUBLICIDADE



Por Luiz Carlos Oliveira Jr.

No louvável espaço criado pelo blog Dicionários de Cinema, pode-se ler o clássico texto “O cinema e a memória da água”, escrito há vinte anos por Serge Daney, e agora traduzido para o português. Selecionei um trecho desse artigo, que continua sendo um dos melhores já escritos sobre a relação entre cinema e publicidade, como ponto de partida para a pergunta que lanço em seguida: “O interesse de Imensidão Azul é, pelo contrário, fazer-nos admitir que a vizinhança, durante muito tempo estimulante ainda que turva, entre ‘cinema’ e ‘publicidade’ não tem já talvez razão de ser. Porque o cinema é demasiado fraco e a publicidade demasiado forte. O início dos anos oitenta terá visto a legitimação cultural e depois estética da publicidade”.

E os anos 2000? Terão visto o quê?

Terão visto a crítica, que tinha por missão guardar a fronteira, marcar as diferenças (atitude traduzida em textos como esse do Daney), sucumbir à publicidade. Primeiro porque nunca soube definir o que era a tal “estética publicitária”, criando um rótulo impreciso, nuns casos, equívoco, em outros, e ineficaz, na maior parte das vezes. Um rótulo, mas nunca um conceito. A crítica errou, em primeiro lugar, por essa imprecisão. Em segundo, porque aceitou o jogo, caiu na dança. Sempre achei que a crítica seria a última trincheira, a última barricada antes do triunfo publicitário. Mas não: de uns tempos pra cá ela parou de se revoltar contra a publicidade. Após deixar de se incomodar, começou a achar que a publicidade não só não era tão má quanto se pensava, como ainda trazia coisas boas. E agora veio o pior: nem sabe mais distinguir o que é e o que não é publicidade. Perdeu o olhar. Responde de modo favorável, ou complacente, ou negligente. No caso da negligência, é assustador: simplesmente não consegue mais perceber o mundo se trocando por signo publicitário. Olha para um papel de parede e vê o mundo. E escreve sobre o papel de parede como se falasse do mundo. A publicidade e suas práticas mais hediondas se naturalizaram no cinema (brasileiro, mas não só). Nessa visão de cinema, o “criar” não é mais identificado a um trabalho dinâmico com a matéria; é um retrocesso simbólico, onde a idéia passeia livre, leve e solta – a idéia sobrevive à perda de vínculo com o pensamento e com o olhar. É o mar sendo substituído por “um grande azul de síntese”; o ator servindo de portfólio para o preparador de elenco. O filme sendo uma embalagem para uma idéia de filme. E essa idéia é sempre rasa, sempre retrógrada, não tem como ser de outro jeito.

No cinema brasileiro, 2008 foi um ano não muito diferente dos anteriores: ruim na média, porém salvo da apatia pelos cineastas de exceção (Bressane, Carlão, Mojica, Tonacci – tudo que se pôde ver de realmente criativo e brilhante veio exclusivamente de veteranos). Mas olhando para a recepção da crítica, constatando quais foram os filmes mais discutidos, Ensaio sobre a cegueira e Linha de Passe liderando com folga, a impressão que tenho é que está tudo bem, o cinema brasileiro está fazendo os filmes que os críticos pediram alguns anos atrás (ao menos é assim com Linha de Passe: o cinema que não julga personagens, fala dos problemas do Brasil pelo filtro justo da câmera afetiva e do final aberto), então eles estão satisfeitos. Como estrutura de produção, a publicidade já tinha vencido no país há pelo menos dez anos (salvo exceções, as mentalidades que regem os projetos, desde o orçamento à organização do set, são inteiramente derivadas da publicidade). Depois venceu também como estética. E agora, como se não bastasse, recebeu a última medalha que lhe faltava, a da crítica. Esse título conquistado pela publicidade significa que finalmente os filmes conseguiram que nós não os acusemos mais de parecerem publicitários. Eles pedem para que não sejam julgados e atendemos ao pedido.

Pois os dois líderes de holofotes em 2008 representam dois tipos antagônicos de publicidade; filmes em total sintonia com uma época pouco afeita ao espírito crítico, porém muitíssimo afeita à retórica e ao pensamento institucionalizado. De um lado, o excesso, o exagero, o esteta histriônico, a publicidade enérgica, que impõe a concatenação rápida de signos ululantes, um filme perfeito para quem gosta de “ler” filmes (Ensaio sobre a cegueira). Do outro, a retração, a afasia, a concha segura do olhar voluntarista, inofensivo, a publicidade bem intencionada, que parte da fórmula “o universal é o mais local possível” (Linha de Passe). Em ambos, o humanismo lúdico como válvula de escape.

A mise en scène como forma de inteligência, como linguagem unificada da percepção sensível e do conhecimento objetivo do mundo, essa mise en scène está em baixa por aqui.

Analogamente, na crítica, onde um mínimo de atrito se deveria produzir, encontra-se a complacência, o consensualismo, o olhar não-provocativo, confortado pelas imagens, consolado pelo fato de que filmes ainda existem e estes se levam a sério o suficiente para merecer um texto dedicado. O olhar que não cobra, não provoca, não afronta os filmes mesmo em face de sua mediocridade, esse olhar parece dizer: façam qualquer filme, bom ou ruim, consistente ou leviano, fascista ou humanista, mas me dêem o que escrever.

A crítica brasileira não ligou muito para o fato de que em Ensaio sobre a cegueira – cujas imagens estouradas constituem um efeito visual profundamente óbvio enquanto transposição da significação para a forma – faltou a Meirelles a desconfiança do bom artista, que hesita diante do caminho mais fácil (não confundir com o mais simples) e termina por rejeitá-lo, e sobrou-lhe a convicção do bom publicitário, que se regozija de suas idéias paquidérmicas, de seu modo de significação agressivo, descarado, que renuncia à criatividade sem crise de consciência, já que amparado pelo bom funcionamento das imagens. Os filmes, hoje em dia, precisam acima de tudo funcionar. O verbo invadiu os sets de filmagem e agora também a crítica: atrás da câmera ou na frente da tela, todos procuram a imagem que funciona. Eis porque a crítica não se incomodou com Blindness e no geral aprovou, pois reconheceu ali um bom discurso-através-de-imagens, uma boa transcrição visual do texto. Reconheceu um filme que funciona, e isso, cada vez mais, é o que lhe basta. Miséria da crítica.

Mas questionemos também o filme, sua estética, e não apenas sua recepção: desde quando a isquemia da forma é a melhor expressão de um mundo espiritualmente gangrenado? Será que tudo aquilo que regeu a obviedade estética de Ensaio sobre a cegueira era mesmo fruto de um pensamento sobre a forma, ou não passou de uma frivolidade, de uma falta de objetivos outros que não a excitação, o choque, o conteúdo leviano das mensagens? Houve quem enxergasse no filme – sem dúvida alguma tendo em mente o aval de Saramago – o protesto de uma alma nobre contra a corrupção moral de sua época. Partindo dessa perspectiva, e fingindo que Meirelles acertou no tom, concluiríamos que ele atingiu o terreno da sátira, gênero no qual os romanos, perante as vicissitudes de seu império, foram mestres. Ora, para conduzir a sátira ele precisaria dispor de uma sabedoria aguda, de uma zombaria elegante, de uma raiva sarcástica, ou seja, ele precisaria de tudo aquilo que falta a seu filme.

Houve também quem narrasse a experiência de assistir a Ensaio sobre a cegueira como de grande intensidade, sempre flertando com o desagradável das imagens. Essa mesma intensidade deve existir em uma propaganda de cartão de crédito, pois ontologicamente se trata da mesma coisa, e o que define em grande parte a natureza da experiência é o teor ontológico das imagens, para além de seus enunciados (que, de todo modo, seriam também os mesmos, as propagandas de cartão de crédito nada mostram senão um mundo igualmente degradado, cujo verniz de superfície nos é entregue sob a forma de mercadoria visual, apenas confundindo essa degradação com bem-estar social e financeiro).

Onde esteve a crítica nisso tudo? Não se pode dizer que esteve ausente. Pelo contrário: esteve, na maior parte das vezes, e num bom número de veículos, entregue a discussões (prolixas). Porque se o filme funciona, ele dá o que falar. E a crítica está menos preocupada em ver uma obra que a obrigue a pensar a forma e manifestar o gosto (essa ferramenta indispensável do crítico, ultimamente tratada como opcional e, não raro, afastada do “oficio”) do que em ter o que discutir. Quanto menos um filme sacudir sua posição de analista de discurso, quanto menos o impelir a reavaliar seus parâmetros, mais longe vai a discussão (nunca mais fundo), pois tende ao vazio, e o que tende ao vazio dura indeterminadamente. Às vezes me ocorre, lendo boa parte dos textos e dos debates, que os críticos de cinema no Brasil estão cada vez mais parecidos com os comentaristas de futebol: analisam os jogos em repetitivas e enfadonhas mesas redondas, mas não arriscam dizer para que time torcem. Em teoria, isso seria uma espécie de profissionalismo, de maturidade, uma certa imparcialidade sóbria. Na prática, isso representa o esvaziamento do espaço crítico e a iminência de um estado acrítico. Calar o juízo estético e gerar infinitas análises, debates, opiniões; viver em paz mesmo com os filmes mais medíocres, ou mais publicitários; abandonar a provocação, o rigor; tornar-se imune a gostos ou desgostos profundos: tudo isso é no mínimo muito perigoso, se quisermos manter viva não uma postura intelectual dentre outras, mas uma postura crítica.

No limite, os especialistas estariam procurando nos filmes não mais a beleza, as emoções ou o sentido geral da obra. Eles estariam procurando compreender o que o diretor está dizendo – sentindo-se até mais generosos ao fazê-lo, mas essa generosidade é traiçoeira e num segundo momento se revela o disfarce predileto da complacência –, captar a mensagem (e, através disso, cultuar sua própria sensibilidade, sua percepção, sua capacidade de articulação, em suma, sua “personalidade crítica”), pescar as idéias que motivaram as imagens fora das imagens (fugindo, assim, da evidência do filme). Procurando o projeto, o produto, não a obra. Derrota da mise en scène, triunfo dos efeitos de enunciação – publicidade de novo.

O próprio personagem não importa mais. Importa o autor, o olhar do autor (Godard há mais de dez anos já tinha mandado uma carta-bricolage para a Cahiers du Cinéma falando dos efeitos nefastos da procura constante pelo autor). Parece inconcebível, mas ninguém se importa mais com o fato de alguns filmes mostrarem personagens desinteressantes, em ações desinteressantes, nulas, vazias, estúpidas. Os críticos estão preocupados em saber se o olhar do diretor é justo ou não, carinhoso ou não, articula um bom discurso ou não, etc. A perda de conexão com o personagem denota a perda de conexão com o mundo dos filmes. Não interessa mais o mundo, interessa a mensagem e seu dono (seu proprietário). Morte da fascinação.

O cativante da ação de um personagem, cabe aqui expor, não está necessariamente no seu potencial de espetáculo, nem na sua qualidade de intriga. Em alguns dos melhores filmes de John Ford, por exemplo, os personagens passam 90% do tempo sem fazer nada de intrigante. Só que alguma coisa acontece quando vemos John Wayne pilotando seu jipe em Donovan’s Reef, ou falando sobre os males de mascar tabaco em Legião Invencível, ou comparando sua altura com a do seu filho em Rio Grande. Alguma coisa acontece porque estamos vendo um mundo, e isso nos fascina. Estamos vendo um gesto e um espaço, e a mise en scène desse gesto nesse espaço.

Nos filmes brasileiros mais debatidos em 2008, faltou a presença de um mundo. E que tipo de mise en scène se faz sem um mundo? Não se faz mise en scène, se faz publicidade. É a enésima manifestação (que, como uma alergia, vem pior a cada vez que se manifesta) de tudo aquilo que Godard foi o primeiro a constatar com melancolia (cf. Duas ou três coisas que eu sei dela: redução violenta da imagem em função da superfície, o mundo sendo achatado pelos signos da publicidade, e o cinema à procura do arrière-monde que essas imagens-clichê escondem, negam, apagam terrivelmente – mas Godard é astuto o suficiente para, como observou Bonitzer, encontrar a via-láctea numa xícara de café expresso).

O problema de Linha de Passe, portanto, não é a ausência de intriga ou as ações “pequenas” de seus personagens, mas é um fator anterior, um mal difícil de curar, desencadeado no momento em que seus eventos se tornam simulacros de significações (como, aliás, já ocorria desde Central do Brasil), em que seu mundo se troca por um painel publicitário que mostra São Paulo pela ótica do marketing social: campanha eleitoral (o cineasta agindo como o candidato que vai lá na periferia, abraça os pobres, passa a mão na cabeça de todos, posa de bom moço, depois volta pro lugar confortável de onde veio e do qual nunca saiu, a vida segue como ao final de uma eleição que deixou tudo em suspenso, por mais que se tenham alimentado expectativas, crenças) e campanha de conscientização (lembrar daquela asquerosa câmera subjetiva do rapaz que quer ser jogador de futebol “fritando” na cena da festa, comparável às piores vinhetas antidroga da MTV, ou mesmo do ministério da saúde).

Quando penso na gênese de filmes como Linha de Passe e Ensaio sobre a cegueira, imagino uma sala fechada, com pessoas discutindo uma idéia que expulsa para longe de si toda exterioridade, em favor de uma operação puramente abstrata, que não encontra satisfação senão em si mesma. Essa cena imaginária seria apenas mais um capítulo da “retomada”, não fosse o dado novo, o da crítica que quer debater, mas não quer criticar. A diferença entre uma atividade e outra, assim como a diferença entre o cinema e a publicidade, é o que precisa urgentemente ser resgatado.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

PAU BRASIL

Por André Setaro

O cinema baiano alcança, com Pau Brasil, de Fernando Belens, a sua maturidade. Um amadurecimento que se cristaliza em suas imagens não apenas pela qualidade técnica que possui, mas, sobretudo, pela maneira com que o realizador aborda o tema, cujo tratamento revela um olhar original sobre a vida de homens e mulheres que vivem no sertão. O ponto de vista adotado por Belens na descrição de suas existências não é condescendente com elas. Foge, por exemplo, da maneira pela qual os sertanejos são sempre tratados pelo cinema brasileiro, e, nesta sua visão insólita e nada complacente, sem piedade, poder-se-ia dizer, acha-se, durante o desenvolvimento da narrativa, uma espécie de borbulhar que a permeia para a explosão exorcística final.

Pau Brasil é baseado no livro homônimo de Dinorah do Valle, que recebeu, em Havana, o prêmio Casa de las Americas. A autora participou também da gestação do roteiro, mas não pôde vê-lo concretizado porque morreu antes das filmagens. Pode-se observar uma afinidade eletiva entre a escrita de Dinorah do Valle e o pensamento belensiano sobre a vida.

Impressiona a qualidade técnica de Pau Brasil, sua montagem exata, o sentido de duração preciso das tomadas. Não seria exagero dizer que, em Pau Brasil, há uma contenção quase bressoniana na exposição das chagas sociais e existenciais. O cinema baiano, força dizer, nunca tinha alcançado, em sua luminosa trajetória, o grau de maturidade temática e estilística que se pode encontrar no filme de Fernando Belens. Em Pau Brasil, a técnica (perfeita) se encontra com a linguagem para fazer emergir uma estética.

O sentido da duração das tomadas, vale repetir, conjuga-se com o sentido dos enquadramentos para que o filme se estruture narrativamente em consonância com o que se quer dizer. O que está dito, portanto, nas imagens de Pau Brasil, está dito de uma maneira escritural que permite a associação equilibrada, como todo bom filme que se preze, entre a narrativa e a fábula.

Autor, porque se vista a sua filmografia há, nela, constantes temáticas e estilísticas, Fernando Belens, desde os seus experimentos insólitos em Super 8, já demonstrava uma visão particular do mundo que o cerca, um olhar arguto, anárquico por vezes, não destituído, no entanto, de originalidade na representação do que se chama real.

As imagens de Experiência I (e as outras, transformadas), de Anil, de Europa, França e Bahia, de Heteros, a comédia, de Pixaim, entre outros, estão inseridas no corpus de Pau Brasil. O que significa dizer que Belens é um autor, um realizador que tem, como queria François Truffaut, uma visão de cinema e uma visão de mundo. Neste particular, faz um cinema dilacerante, cortante, que não admite a compaixão, mas que luta pela emergência da perplexidade diante das contradições da realidade.

Uma compaixão que, por exemplo, não existe em relação aos personagens miseráveis do filme. Inclusive Belens coloca a intolerância, o preconceito, a hipocrisia, dentro do contexto da história, que trata da rivalidade entre duas famílias pobres que sobrevivem num ambiente hostil. A intolerância, para Belens, não é uma questão de classe, como a é para muitos, mas uma questão da necessidade de o homem se transformar, uma questão da natureza humana.

Duas famílias vivem em casas rudes, toscas, uma em frente da outra. Numa delas, um homem (Bertrand Duarte - sempre inexcedível) mora com uma mulher e a deixa amar qualquer tipo que chegue à sua porta, principalmente caminhoneiros, que são seduzidos pela sua maneira fogosa de ser. Mas o personagem não se importa e é feliz e carinhoso e, ainda, abriga no seu seio familiar um outro homem que aparece numa noite a pedir asilo em sua casa. O casal tem um filho, maltratado pela coletividade, que se tranca em si mesmo. Uma espécie assim de As duas faces da felicidade (Le bonheur, 1966), de Agnes Varda, às avessas. Mas o homem interpretado por Bertrand guarda um segredo, que se revela no final.

Do outro lado da rua, um outro homem (Oswaldo Mil), casado, com duas filhas, vive a discursar da porta de sua casa sobre a promiscuidade existente na casa vizinha. Suas duas filhas adolescentes vivem sob o regime do chicote, e a mulher, sempre calada, sujeita-se à sua condição, As duas meninas, porém, não possuem a mesma perspectiva de vida. Uma pretende o gozo da vida, a plenitude carnal, enquanto a outra prefere o celibato e acaba por entrar no claustro de um convento.

Como fio condutor, a exemplo de um personagem de tragédia grega, uma mulher negra, desgrenhada, é o alter ego da coletividade. O filme começa com o garoto, filho do casal da residência dita promíscua, que anda por uma paisagem arenosa. As primeiras imagens de Pau Brasil mostram em seguida uma árvore imensa, o título do filme, e a negra que profere palavras premonitórias, assim como no final, quando caminha solitária por uma estrada que parece não ter fim.

A exposição dos personagens e das situações dá lugar, a partir de certo momento, a uma explosão de conflitos entre as duas famílias. E é neste conflito que se dá o exorcismo, a revelação, e o desfecho exasperante de Pau Brasil. Belens, neste retrato pungente, mostra com argúcia de bom cineasta que a condição humana é contraditória e complexa.

Ponto máximo para a fotografia de Hamilton Oliveira, para a montagem de André Bendocchi Alves, elementos que proporcionam o estabelecimento de uma mise-en-scène dotada de eficiência dramática e de um ritmo que cativa pela conjugação harmoniosa dos elementos da fabulação.

PAU BRASIL Brasil / Alemanha. 2009. Produção e Direção: Fernando Belens. Roteiro: Fernando Belens e Dinorah do Valle. Montagem: André Bendocchi-Alves. Som: Nicolas Hallet. Fotografia: Hamilton Oliveira. Trilha Sonora: Bira Reis. Direção de Arte: Moacyr Gramacho. Produção Executiva: Luciano Floquet e Sylvia Abreu. Produção: Sylvia Abreu e Pola Ribeiro. Elenco: Bertrand Duarte, Oswaldo Mil, Fernanda Paquelet, Arany Santana, Fernanda Belling, Milena Flick, Edlo Mendes, Rita Brandi. Filme realizado com recurso de edital patrocinado pelo Governo do Estado da Bahia. O filme é Baseado em livro homônimo de Dinorah do Valle, premiado em concurso cubano da Casa de las Américas

sábado, 26 de setembro de 2009

A COR NO CINEMA



Por André Setaro

Qual a função da cor nos filmes? Atualmente, quando todos os filmes lançados no circuito são coloridos, o preto e branco virou uma exceção utilizada apenas por questões estilísticas. E a maioria das pessoas, desconhecendo as possibilidades do claro/escuro, não mais aceita o filme sem cor. Se o filme é em branco e preto, geralmente é recusado pelos exibidores, havendo, somente, casos raros de aceitação, como o referente a A lista de Schindler, porque distribuído por major poderosa.

Assim, se é verdade aquilo que afirmou Roland Barthes, que colorir o mundo significa em última análise negá-lo, como deve comportar-se a cor se não quiser esmagar a realidade, mas, pelo contrário, interpretá-la poeticamente? E, sobretudo, que atitude deve assumir relativamente às imagens e aos sons? A resposta é fácil de prever: a cor no filme deve cumprir uma missão essencialmente psicológica. Deve ser, não bela, mas significativa. Somente deste modo tem a sua presença uma justificação expressiva e pode servir para dizer coisas que não poderiam ser ditas sem a sua intervenção. Se tal não acontece, a cor não apenas resulta nociva para o filme como corre o risco de empobrecê-lo a ponto de fazê-lo regredir para um nível inferior ao alcançado no velho preto e branco.

Não é, portanto, o cinema colorido que interessa ao nosso artigo, mas, sim, o cinema de cor. Desde que, naturalmente, não reproduza a realidade de maneira cada vez mais perfeita e cada vez mais banal. Neste particular, os videomakers contemporâneos são pródigos na ânsia de reprodução do real de maneira naturalista e, em consequência, vulgar, pelo fato de não ter consciência da função da cor no tecido dramatúrgico da expressão videográfica. Quantos aos belos planos, não sendo o cinema uma pinacoteca – mas, pelo contrário, a vida transformada em discurso no próprio momento em que se desenrola – eles condenam o filme – ou o vídeo – à asfixia e impedem a sua respiração vital.

De citações pictóricas ilustres está a história do cinema cheia, assim como o inferno está cheio de boas intenções. Gian Piero Brunetta, ensaísta italiano, enumera alguns filmes que não aplicam bem o cinema de cor, por mais encantador e sugestivo que possa ser o resultado. A opinião é bastante discutível – este comentarista, por exemplo, não concorda, porém se trata de um estudioso do assunto. Vão desde o impressionismo francês que inspira a fotografia de Elvira Madigan (1967), de Bo Wilderberg, à pintura inglesa do século XVIII evocada em Barry Lyndon (1975), de Stanley Kubrick, do modelo dos macchiairoli italianos dos finais do século XIX seguido por Sedução da carne (Senso, 1954), de Luchino Visconti às homenagens à pintura surrealista presentes em La montagne sacré (1973), de Alexandre Jorodowsky. Para não falar, ainda segundo Brunetta, já de citações relativas a pinturas singulares, como Rossi reproduzido em Dois destinos (Cronaca familiare, 1962), de Valério Zurlini, ou Degas em que se inspira Laura (1980), de David Hamilton, ou, ainda, Remington, recriado na tela pelo mestre John Ford em Legião invencível (She wore a yellow ribbon, 1949). Os filmes citados aqui, vale repetir, segundo Brunetta, são exemplos da má utilização do cinema de cor. E o que diria ele de Caravaggio e do recente A moça do brinco de pérolas? Que são bombas amortizadas.

Porque Brunetta acha que nos exemplos citados a expressão propriamente fílmica não atinge qualquer autonomia, marcada como está pela autoridade de tantos mestres da cor, antigos e modernos. Diante dos mestres pictóricos nos quais se inspiram para compor seus filmes, os realizadores se abstêm de tomar iniciativas pessoais que possam ofender a ilustre posição de que gozam os modelos invocados.

Quando, pelo contrário, ao invés da abstenção, os realizadores decidem tomar a iniciativa, a linguagem cinematográfica pode finalmente exibir a sua autonomia, embora tenha de defrontar-se com alguns obstáculos e alguns perigos durante a empreitada. Estes são os casos em que a cor se preocupa em ser funcional e não apenas bela. São os casos em que a cor aparece na tela para complicar as coisas que nela se sucedem e não para as secundar redundantemente. Trata-se, nestes casos, de intervenções sem as quais o filme seria diferente do que é, ou, pior ainda, não estaria completo. Em suma, somente quando a cor consegue ser irredutível a qualquer outro código presente é que se pode falar de função qualificante da cor e de emprego antinaturalista, mas também antiacadêmico, dos recursos cromáticos.

Entre as funções aptas a produzir sentido, a psicológica e a crítica são as mais eficazes, para além daquelas a que mais se recorre no âmbito do cinema que odeia a cópia rasteira da realidade quotidiana. E como o cinema brasileiro gosta de ser uma cópia servil na representação do real nas telas!

De emprego da cor em sentido psicológico, tem-se como exemplo O deserto vermelho (Deserto rosso), de Michelangelo Antonioni. As cores, aqui, são apagadas, envoltas por uma dominante cinzenta que unifica as várias tonalidades, privando-as das gradações mais vivas. Isto se justifica porque, no filme, o mundo é visto pelos olhos de uma mulher que sofre de nevrose e se sente separada da realidade. Neste caso, portanto, cabe à cor a tarefa de dar a idéia de como a protagonista vê as coisas, o que acontece sem necessidade de recorrer com insistência a indicações inerentes ao diálogo e à encenação no seu conjunto. Do mesmo modo, em Satyricon, com respeito total à integridade de seu formato original, isto é, em cinemascope, ou, como se diz agora, em letter box), de Federico Fellini, as tintas carregadas e desprovidas de bom gosto denotam a vulgaridade do mundo representado e sublinham a sua essência lúgubre, próxima da desagregação material e espiritual. Em Nosferatu, de Werner Herzog, cabe à dominante azul, que impregna todas as cores, a função de conferir à narrativa aquele tom de lucidez que a acompanha do princípio ao fim, sugerindo a presença do Mal onde e como quer que seja, através de uma espécie de expressionismo cromático inserido na construção figurativa geral. Em O açougueiro (1970), de Claude Chabrol, a cor evolui conjuntamente com a própria fábula e, mudando de quando em vez de tonalidade, segue o seu itinerário narrativo desde a atmosfera idílica inicial até à descida aos infernos dos protagonistas com a respectiva ressurreição final, (dramática e cromática). Em Os guarda-chuvas do amor (Les parapluies de Cherbourg, 1964) e Duas garotas românticas (Les demoiselles de Rochefort, 1966), ambos do poeta Jacques Demy – um dos cineastas mais admiráveis de toda a história do cinema, as cores exercem um importante papel constitutivo do tecido dramático, situando-se como elementos determinantes da mise-en-scène – nos dois casos, também, a partitura musical de Michel Legrand pode ser considerada tão importante que o músico faz configurar, ao lado da mise-en-scène, uma mise-en-musique.

Mas é a cor que aqui interessa. Em outro exemplo, Tragam-me a cabeça de Alfredo Garcia (Bring me the head of Alfredo Garcia, 1974), de Sam Peckinpah, a dominante vermelha presente a nível figurativo exprime o clima de torpor e de violência próxima da explosão que caracteriza o local onde se desenrola a ação narrada. Há, finalmente, casos em que o efeito psicológico é confiado à presença de um único valor cromático que emerge do restante preto e branco. É o que acontece em Reflexões nos olhos dourados (Reflections in a golden eye, 1967), de John Huston, com Marlon Brando e Elizabeth Taylor, onde o monocromatismo da fotografia é quebrado pela presença exclusiva do tom vermelho, a significar a loucura latente do protagonista que sofre de um trauma mental que remonta à infância. As cópias distribuídas no Brasil, no entanto, foram banhadas de um technicolor que destruiu por completo a intenção inicial do autor.

Fala-se em intervenção crítica da cor, pelo contrário, quando a cor desempenha uma função dissonante no interior do filme. Neste caso, a escolha cromática deixa de corresponder ao ponto de vista psicológico de um dos protagonistas ou à exigência de definição ambiental para passar a refletir o ponto de vista do próprio autor assim como a análise que faz da realidade representada. Em Dillinger está morto (Dillinger è morto), de Marco Ferrari, as cores, cruas e brilhantes, de aspecto metálico, denunciam a invasão multicolor dos objetos a que o homem é sujeito na civilização tecnológica e a conseqüência reificante que tal invasão comporta relativamente aos sentimentos humanos. Do mesmo modo, as cores fantasiosas do sketch La terra vista dalla luna ( A Terra vista da Lua, um episódio de As bruxas) conotam a ação num sentido marcadamente irrealista e conferem-lhe um tom de alegoria moral suspensa entre o divertimento e a meditação filosófica.

Pode por vezes dar-se o caso de ser a própria ausência da cor a adquirir valor expressivo. Em Manhattan (1978), de Woody Allen, a escolha do preto e branco corresponde a uma atitude nostálgica assumida pelo protagonista relativamente a um mundo que é por ele reinvocado em puro estilo dos anos quarenta, como é, de resto, confirmado pela banda sonora. Também em O jovem Frankenstein (The Young Frankenstein, 1974), de Mel Brooks, a ausência de cor representa uma homenagem ao cinema de terror dos anos trinta, relido com uma veia que se situa entre o irônico e o nostálgico. Tem-se, entre outros, evidentemente, o caso de Truffaut, que, pouco antes de morrer, dirigiu um filme no qual faz homenagem ao noir francês: De repente num domingo (Vivement dimanche, 1984), filmado em preto e branco e, recentemente, para realizar uma releitura do filme noir, os irmãos Coen apresentaram O homem que não estava lá, filme totalmente destituído de qualquer coloração e carregado no contraste do claro e do escuro.

A cor no cinema deve ser usada em função de seu tecido dramatúrgico e é preciso que se acabe, uma vez por todas, com a confusão sempre presente entre o uso da cor em função da beleza e o uso da cor em função da própria estrutura fílmica. Quem não gosta de filme em preto e branco, por outro lado, e, desde já, com as desculpas nas mãos, é um tremendo ignorante. O assunto cinema de cor rende muito mais, porém o espaço já se alonga e o comentarista deve estar de olho no velocímetro cromático de seu próprio olhar escritural.


E o que dizer do esverdeamento total de Não matarás, de Kieslowski?

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

NOVA OFICINA: ELEMENTOS DE APRECIAÇÃO CINEMATOGRÁFICA


Por Beto Magno
A Oficina de Cinema, Elementos de Apreciação Cinematográfica, ministrada por André Setaro, objetiva, através de oito aulas e de oito filmes essenciais, oferecer os elementos para que se possa entender que o cinema tem uma linguagem, uma sintaxe própria. Na plenitude de sua expressão, o cinema certamente se utiliza de elementos de outras artes, porém o filme constitui um todo original e indivisível, que existe independentemente da própria espécie desses elemento

A oficina tem início na quarta, dia 21 de outubro, e termina a 9 de dezembro. Para a inscrição, enviar um e-mail para setaro@gmail.com ou telefonar para 88067572 ou 32472290. As aulas serão ministradas no bairro do Rio Vermelho (Numa molduraria chamada EngenhArte, rua da Paciência, 149, entre o Largo de Santana e a praia da Paciência). Taxa de inscrição: 250,00 (à vista). Um certificado será conferido ao término do oficina. Toda quarta das 20 às 22 horas

1.) PONTO DE PARTIDA DO CINEMA CONTEMPORÂNEO.
Morfologia e sintaxe da linguagem cinematográfica. Narrativa e fábula. O elo semântico e o elo sintático. Kane e a reviravolta na estrutura narrativa. A profundidade de campo. Os realizadores cerebrais e os figurativos.
CIDADÃO KANE (Citizen Kane, 1941), de Orson Welles.

2.) NEO-REALISMO E NOVA ESTÉTICA
Técnica, linguagem e estética. A importância do neo-realismo italiano e a sua influência marcante para o cinema contemporâneo. Postulados. Rossellini e a abertura para um novo cinema e uma nova estética.
ROMA, CIDADE ABERTA (Roma, città aperta, 1945), de Roberto Rossellini.

3.) DA ORALIDADE EM ALAIN RESNAIS
O recitativo como poética da imagem. A palavra, como valor de criação dentro da criação artística, passa a ser um fim e não mais um meio do conduto da idéia. E o silêncio como continuação da palavra. A contradição dialética entre a efemeridade e a permanência.Filme que fez evoluir a linguagem cinematográfica.
HIROSHIMA, MEU AMOR (Hirsohima, mon amour, 1959), de Alain Resnais

4.) A DESMISTIFICAÇÃO DO ESPETÁCULO
O estilo godardiano e a inclusão da metalinguagem. A comédia romântica vista pelos olhos da nouvelle vague. A narração que se insinua em função da transparência. O importante não é o que está dito, mas como se diz.
UMA MULHER É UMA MULHER (Une femme est une femme, 1961), de Jean-Luc Godard.

.) O CINEMA COMO VEÍCULO DO PENSAMENTO
Visão de mundo e visão de cinema. O cinema de autor na sua mais exata tradução em torno de uma troca de identidade entre uma atriz e a enfermeira que cuida dela. A incomunicabilidade, tema caro ao cineasta, dá lugar, aqui, à permeabilidade.
PERSONA (Suécia, 1966), de Ingmar Bergman

6.) A DESDRAMATIZAÇÃO E O DOMÍNIO DA ANTINARRATIVA
A "desdramatização" do filme e a opção pela quebra da progressão dramática em função da antinarrativa. A procura da comunicação numa sociedade decadente e as incertezas do instante que passa, tema recorrente do autor. Fotógrafo de moda, fazendo ao acaso fotos de uma mulher, percebe, ao ampliá-las (blow-up), que testemunhou um assassinato, talvez imaginário.
BLOW UP - DEPOIS DAQUELE BEIJO (Blow up, 1966), de Michelangelo Antonioni.

7) A RENOVAÇÃO DA COMÉDIA CINEMATOGRÁFICA
Comédia premiada e que renova o gênero na década de 70 e que se destaca pela articulação inteligente dos elementos da linguagem cinematográfica e pela visão do mundo de seu autor: Woody Allen.
NOIVO NEURÓTICO, NOIVA NERVOSA (Annie Hall, 1977), de Woody Allen.

8.) O CINEMA DO ESSENCIAL
Ilustração ficcional das teses do biólogo Henri Laborit sobre o comportamento humano pelo realizador mais cinematográfico do cinema dos tempos presentes: Alain Resnais, que possui pleno domínio formal sobre a arte da mise-en-scène.
MEU TIO DA AMÉRICA (Mon oncle d'Amérique, 1980), de Alain Resnais.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

DENÚNCIA GRAVE



Por André Setaro

Não sei se são todos, é bom que se diga logo, mas a maioria dos filmes exibidos em versão digital não respeita o formato original. Se em cinemascope, as laterais são podadas em função do enchimento criminoso da tela. Se em outro formato, tipo widescreen, há uma tentação diabólica para apresentar o filme em tela cheia (full screen). Como se faz, criminosamente, na televisão paga. Quase todos os canais que exibem filmes massacram o formato (Universal, AXN, Fox, Warner...) e a única que o respeita, mesmo assim em alguns, é o Telecine Cult. Também agora verifico que as cópias em dvd cometem a mesma intromissão indevida contra a integridade da obra cinematográfica. A Europa (entre outras) é uma campeã na destruição dos filmes (Menina de ouro, de Clint Eastwood, está irreconhecível no dvd espúrio lançado pela Europa).

Evito ver filme em versão digital para não sofrer o constrangimento de ter que sair incontinenti da sala de projeção.
Fica o aviso amigo e a denúncia necessária. Que os amantes do bom cinema abram bem os seus olhos.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

O HOMEM QUE NÃO DORMIA


Do diretor Edgard Navarro

SINOPSE

Numa mesma noite, cinco pessoas de uma cidadezinha do interior são acometidas por um mesmo pesadelo envolvendo um homem sinistro e um tesouro enterrado. Com a chegada de um misterioso peregrino, o vilarejo é arrebatado da rotina medíocre e os personagens são lançados num vórtice de acontecimentos insólitos. Será assim que cada um terá sua verdade trazida à luz e se libertará do jugo perverso das hipocrisias, medos e doenças, assumindo as rédeas de seus destinos e reescrevendo suas vidas.

sábado, 5 de setembro de 2009

A HORA DO CINEMA DIGITAL

Por André Setaro


Um dos mais competentes especialistas em cinema digital no Brasil., Luiz Gonzaga Assis De Luca acaba de lançar A Hora do Cinema Dgital - Democratização e Globalização do Audiovisual pela Imprensa Oficial de São Paulo dentro da Coleção Aplauso (Cinema & Tecnologia). Num momento em que o processo digital está a revolucionar não somente a produção, mas, também, a exibição cinematográficas, esta publicação é de leitura imprescindível, principalmente quando se verifica que várias pessoas ainda não entenderam bem o que vem a ser o digital em oposição ao antigo celulóide. Com excelente prefário de Gustavo Dahl, o livro de Luiz Gonzaga De Luca vai a fundo na questão.




O autor é homem de cinema, conhece profundamentos as injunções do mercado exibidor. Quando trabalhou na extinta Embrafilme, a sua participação foi decisiva para fazer da empresa uma líder do mercado, a atuar como seu distribuidor responsável por um período de três anos. Finda a experiência, que, para ele, foi muito importante, trabalhou na produção de desenhos animados e licenciamento de personagens e se assinala aqui outro pioneirismo: a da distribuição do videocassete doméstico. Há 20 anos, atua no setor da exibição cinematográfica, ocupando, atualmente, o cargo de diretor de relações institucionais do Grupo Severiano Ribeiro, a maior empresa exibidora de capital nacional. É também professor do curso de pós-graduação Film & Television Business da Fundação Getúlio Vargas. Graduado em Administração Pública,doutorou-se em Ciências da Comunicação na USP. Em 2004, lançou, também pela Aplauso, Cinema Digital: Um Novo Cinema?




Sobre o livro recente, que já inicei a sua leitura, algumas informações tiradas do site da Livraria Saraiva, onde a publicação pode ser encontrada (inclusive pela internet), entre outras boas livrarias brasileiras:




"As tecnologias digitais vêm provendo a substituição dos equipamentos de cinema. Embora muitos filmes já sejam gravados com câmaras digitais e existam mais de 6 mil cinemas digitais no mundo, ocorrem sérios entraves na substituição tecnológica, a começas pelas dificuldades de obtenção dos recursos necessários para financiar a compra dos novos aparelhos. A Hora do Cinema Digital - Democratização e Globalização do Audiovisual não é apenas uma atualização do livro anterior de Luiz Gonzaga Assis de Luca, Cinema Digital - Um Novo Cinema?. Mais do que responder às questões tecnológicas que ficam em aberto no livro anterior, e que se solucionaram nos últimos anos, discute as questões decorrentes da convergência digital que, ao mesmo tempo, une e separa a indústria cinematográfica. Este livro preenche uma lacuna na literatura da área, abordando um tema atual que interessa não só aos profissionais e aos interessados no cinema, como aos que atuam nas diferentes atividades do audiovisual: distribuidores de homevideo, criadores de games e produtores de programas para diferentes meios e veículos: televisão, telefonia, eventos e internet."

terça-feira, 1 de setembro de 2009

DUAS HISTÓRIAS DA BAHIA

*Por André Setaro



(1.) O sonho de Walter da Silveira era implantar, na Universidade Federal da Bahia, um curso de cinema. Quando do reinado de Edgard Santos, chegou, inclusive, a publicar na imprensa artigos sugerindo a sua criação. Não sei se um curso de graduação, como o atual da FTC, mas, talvez, a inclusão de disciplinas na grade programativa de uma Escola de Belas Artes, por exemplo. Em fins de 1967, no reitorado de Roberto Santos, o ensaísta conversou nesse sentido com o diretor do Departamento Cultural da UFBA - assim se chamava nesta época, Professor Valentin Calderon de la Barca, que passou a mensagem ao reitor que, ao contrário de seu pai, o mitológico Edgard, achou a idéia viável e exeqüível. Resolveu instituir um curso de cinema livre, com a duração de um ano. Não se exigia diploma universitário, mas havia um teste e um módulo de não sei quantos alunos. Estudando no Colégio Estadual da Bahia, o saudoso Central, ainda por fazer 18 anos, consegui passar e o freqüentei, oportunidade na qual travei conhecimento com Walter da Silveira durante o ano letivo - já o conhecia do Clube de Cinema da Bahia de vista e de chapéu.

Eis que chega no cais soteropolitano um navio que vinha da Tchecoslováquia, trazendo, nele, Guido Araújo e sua esposa tcheca, Bohudmila. Guido tinha passado neste país mais de 10 anos e a conheceu porque ela, estudante de Letras, se especializara na língua portuguesa. O criador das jornadas baianas tinha ido à Tchecoslováquia como uma espécie de prêmio por seu trabalho como assistente de Nelson Pereira dos Santos em Rio 40 graus e Rio zona norte - na verdade, segundo os créditos dos filmes, fora continuísta. Nelson pediu a Guido que levasse Rio zona norte para o festival internacional de Karlovy Vary. E Guido foi ficando até se estabelecer em Praga, onde trabalhou em programas de rádio, entre outros afazeres na área cultural. Vale ressaltar que Barravento, de Glauber Rocha, que ganhou o principal prêmio do Festival de Karlovy Vary, foi Guido quem o inscreveu.

Na chegada de Guido, estavam no cais a esperá-lo, além de Walter da Silveira, com o qual tinha relações de amizade, Ney Negrão e sua esposa, na época, a advogada Ronilda Noblat, Walter Pinto Lima, entre outros. Quem sabe bem dessa história é Waltinho. Desempregado, Guido precisava arranjar um trabalho e Walter da Silveira o colocou no Departamento Cultural da UFBA. A partir da entrada de Guido neste setor da universidade é que tem início a estruturação do Curso Livre de Cinema, através da criação do Grupo Experimental de Cinema (GEC)

Com duração de um ano, o curso foi dado à noite, às 20 horas, sempre às terças e quintas, na Casa da França que, depois que saiu do guarda-chuva da UFBa, veio a morrer lentamente na Mouraria, e o espaço deu lugar a Biblioteca Central, que no reitorado de Luiz Fernando Macedo Costa, construído um prédio grande no campus de Ondina, para lá se transferiu. E a Faculdade de Comunicação passou a ocupar o antigo prédio da Casa da França.

Walter da Silveira ensinava, as terças, História e Estética do Cinema, e Guido Araújo, as quintas, Teoria e Prática. Fui colega de muitas pessoas que se tornaram, depois, cineastas, como André Luiz de Oliveira, que fez Meteorango Kid, A lenda de Ubirajara, Louco por cinema, José Umberto (O anjo negro), José Frazão (Akpalô, O último herói do gibi, O mistério do Colégio Brasil... - por falar nele, onde anda Frazão?), e pessoas que estudaram, depois, cinema, a exemplo de Geraldo Machado, Jairo Farias Goes, etc. Vou parar por aqui para não omitir nomes. E Ney Negrão, que também tomou o curso.

Uma noite inesquecível foi quando Walter da Silveira levou Glauber Rocha para fazer uma palestra. O cineasta estava filmando em Milagres O dragão da maldade contra o santo guerreiro, que ganharia, no ano seguinte, um prêmio importante em Cannes. Glauber fez uma radiografia brilhante da situação do cinema brasileiro, lamentou que o governo do Estado lhe negou até uma Kombi, não recebendo da administração Luiz Vianna Filho um centavo sequer, respondeu perguntas. Corria o mês de maio e Glauber estava com um casaco preto de couro.

Em 1969, por motivos de saúde, Walter não pôde mais dar aulas. Um câncer lhe destruía o corpo efêmero. Morreu aos 55 anos em novembro de 1970. Mas o Curso Livre de Cinema continuou por muitos anos comandando, apenas, por Guido Araújo. Por falar no Cidadão Walter, o Departamento de Audiovisual da Fundação há mais de dez anos que prometeu publicar uma coletânea completa dos escritos do autor de Fronteiras do Cinema. Designado para fazer o trabalho de seleção e organização, José Umberto Dias – que, nos anos 70 já organizara A História do Cinema vista da província, obra póstuma de Walter, se empenhou por vários anos na tarefa e entregou o material todo pronto para o prelo. Mas o livro foi engavetado e se encontra num processo kafquiniano submerso num labirinto burocrático difícil de decifrar e solucionar. O jornalista Cláudio Leal fez a denúncia ano passado no jornal Província da Bahia e a filha mais velha de Walter da Silveira, Kátia, luta desesperadamente para que a obra venha a ser editada. Todos os esforços, no entanto, parece em vão. Não se compreende que uma obra de tal envergadura, de tal importância, fique, assim, à mercê dos burocratas, que parecem não entender a fundamental contribuição de Walter para o ensaio cinematográfico. Walter da Silveira, é bom que se diga, não somente é o maior ensaísta que a Bahia já teve, mas um dos mais lúcidos pensadores sobre a natureza do cinema do Brasil. Prefiro, por exemplo, sem aqui tirar o valor, imenso, de Paulo Emílio Salles Gomes, os ensaios de Walter aos ensaios deste. Urge uma providência e mesmo uma intervenção. Vale lembrar que, se vivo fosse, o ensaísta estaria a completar, neste 2005, 90 anos, pois nasceu em 1915. Seria uma grande homenagem se, no ano em curso, o livro, afinal, fosse dado à luz.






(2.) Quando se podia transitar na urbis soteropolitana, antes que a violência tomasse conta da cidade, lá pelos anos 60, um exibidor de um cinema do bairro da Liberdade, o Cine São Jorge - que formava com o Brasil e o São Caetano as salas exibidoras do bairro, resolveu passar, à meia-noite dos sábados, 'filmes de putaria', segundo sua própria expressão. Eram filmes mal feitos, pessimamente fotografados, mal focados, quase que não se podia ver direito o que estava acontecendo no interior do enquadramento. Para compensar a qualidade deficiente dos celulóides em 35mm, o exibidor comprou um projetor 8mm - nada de Super 8, que não existia - em Marota, um comerciante antigo da Cidade Baixa que negociava com material de cinema. Instalando este projetor na sala, mandou buscar filmes suecos e dinamarqueses 'de putaria grossa', que tinham, apesar da bitola menor, o 8mm, uma qualidade fotográfica excelente.

As sessões ficavam abarrotadas, porque em matéria de 'putaria', os homens se contentavam com as histórias em quadrinhos de Carlos Zéfiro, vendidas clandestinamente, mas fáceis de encontrar na Praça Municipal. Fui a uma delas, e vim andando da Liberdade para casa em Nazaré perto das duas da manhã. Tudo era muito calmo. Dava prazer se viver em Salvador.

Mas a polícia, um belo dia, invadiu o São Jorge, mandou parar a sessão, prendeu o exibidor. Todos os jornais estamparam em manchetes. A Tarde fez um editorial moralista da lavra calmoniana. Mas Cruz Rios riu do episódio. Dois meses depois, Walter da Silveira fez um acordo com o exibidor Francisco Python para projetar 'filmes de arte' no Guarany da Praça Castro Alves - que com a morte de Glauber tomou o nome do cineasta.
Considerando que a cidade era muito pacata, a sessão da meia-noite do Clube de Cinema da Bahia, aos sábados, constituiria-se numa opção para o fim de semana.

Walter programou, para abrir com chave de ouro a programação, O túmulo do sol, um filme japonês muito premiado sobre um menino que gostava de contemplar o sol. Filme mágico e encantado e próprio para todas as idades. Mas, por causa do horário, meia-noite, menor não podia entrar. No dia marcado, desde as 23 horas filas se desdobravam pela Praça. Walter achou esquisito, pois o filme seria para um público mais restrito. Filas para comprar ingresso e outras filas para entrar. Um sufoco. A sala de espera abarrotada, e na hora que a corrente foi aberta, pessoas sendo empurradas, uma confusão dos diabos. Na sala, gente sentada no chão. Eis que começa o filme. Passados quinze minutos, as pessoas começaram a gritar, gerando, com isso, um tumulto. Resultado: a maioria das poltronas do Guarany foi arrebentada.

Tudo porque, estando ainda fresca na memória dos baianos a notícia da invasão policial do São Jorge, os soteropolitanos pensaram que, naquele horário, os filmes seriam de 'putaria grossa'. Python rasgou o contrato com Walter, tendo a aquiescência deste.



*André Setaro, professor da UFBA

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A MISÉRIA CULTURAL BAIANA

Por André Setaro
Se a miséria está instalada na cultura baiana (nada a ver com política cultural deste ou daquele governo, pois a coisa é crônica), no plano nacional, e no tocante ao cinema em particular, ir ao cinema somente é permitido à classe média alta para cima. O povo e a classe média estão praticamente excluídos, a formar uma geração dos Sem Cinema. Triste realidade. E assustadora, porque quem não se habitua cedo a ir ao cinema não vai nunca mais.


Sim, uma ida ao cinema atualmente significa um gasto considerável, que fura o orçamento do classe média, que está pagando a conta das bolsas familiares. A verdade é que, depois do Plano Real, a economia se dolarizou, os preços subiram muito e os salários, congelados em freezer potente. Um casal para ir ao Multiplex gasta, de saída, 32 reais, considerando que o ingresso custa a 16. Se quiser se empipocar, como é de praxe, mais uma grana – e os complexos de cinema cobram muito mais nas guloseimas compradas dentro deles. Mas, uma ida a seco, e de ônibus, adicione-se aos 32 dos ingressos, os 8 das passagens (2 reais por cabeça). O resultado assinala que um filme custa 40 reais. Muito caro. E o povo, e o povo, como é que pode ir ao cinema? Já que não mais existem os chamados cinemas de rua nem os de bairros?
Se formos fazer uma comparação entre o número de salas exibidoras que Salvador tinha em 1958 e o que tem atualmente, a conclusão é uma só: os cinemas estão fechando suas portas. Com uma população de, mais ou menos, quinhentos mil habitantes, a província possuía em torno de quase trinta salas, considerando, no cômputo final, as de primeira linha, os poeiras da Baixa dos Sapateiros, e os cinemas de bairro. Para arredondar o raciocino, que se coloque trinta salas em 1958 para quinhentos mil habitantes, sendo que cada uma delas tinha, em média, mil poltronas, variando entre as salas maiores, de quase duas mil cadeiras, como o Guarany e o Jandaia, e as menores, que beiravam a mil lugares.


Para não haver crescimento das salas exibidores, e considerando, sempre, a densidade demográfica, nos dias que correm – e como correm!, com uma população de dois milhões e quinhentos mil habitantes – e, aqui, nivelando por baixo, Salvador deveria ter, no mínimo, cento e cinqüenta salas, pois a sua população, entre 1958 e 2005, aumentou cinco vezes. O cálculo é simples. Multiplicam-se as trinta salas do passado por 5 e se tem o número de cinemas que a cidade deveria ter e, repetindo-se, sem haver crescimento. Mas atualmente o que se tem é um máximo de trinta e cinco salas e cada uma com um máximo de 400 lugares, a maior parte se localizando nos complexos chamados Multiplex.

Então que se faça uma nova contagem, considerando que cada cinema, em 1958, tinha em média mil lugares e, hoje, trezentos. Trinta vezes mil, em 1958, é igual a trinta mil. Que se coloque, para ficar bem claro, em números inteiros: tinha-se, na província, nesta época, 30.000 lugares e, se o número for multiplicado por cinco, porque a população cresceu cinco vezes, tem-se o número redondo de 150.000. Este, o número que, para não se constatar crescimento, mas, apenas, manutenção, deveria a cidade possuir em número de lugares. Mas o que se tem atualmente? Com a média de 400 lugares e 35 salas, fazendo-se a multiplicação, o resultado é de 14.000 lugares. Que diferença brutal!
Se antigamente o povo ia muito ao cinema, hoje, como disse Gustavo Dahl, há alguns anos, no Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual, não tem acesso a ele. O cinema, que era um meio de comunicação de massa, atualmente é um veículo cujo acesso somente é possível à elite.


Antes, existiam os cinemas de primeira linha, lançadores, que ficavam concentrados no centro histórico, os poeiras da Baixa dos Sapateiros e os de bairro. Luiz Carlos Barreto, que conhece muito bem a mercadologia cinematográfica, afirmou, em recente entrevista no Canal Brasil, que o ingresso custava em torno de um dólar e, nos cinemas de segunda, cinqüenta centavos. É como se hoje o ingresso para entrar numa das salas do Multiplex custasse dois reais e cinqüenta centavos, a inteira, a inteira! Mas quanto custa realmente? Em torno de quatorze reais. Como uma pessoa que ganha a miséria do salário mínimo pode freqüentar as salas de exibição? Ir com a família ao cinema? Nem pensar.


O Plano Real dolarizou a economia de uma forma perversa. O povo está excluído do cinema, assim como a chamada classe média baixa. A conclusão é estarrecedora e reveladora: apenas dez por cento da população baiana pode ir ao cinema, sendo que dois milhões e tanto de pessoas estão completamente fora da rota cinematográfica. Constatou-se, em pesquisa recente, que a maioria dos baianos nunca foi ao cinema. Um grupo organizou uma sessão cinematográfica num bairro periférico e o que se viu foi espantoso. As pessoas ficaram maravilhadas pelas imagens em movimento, pois estavam a contempla-las pela primeira vez. E isto aconteceu na região metropolitana de Salvador!Na década de 50, o Brasil tinha perto de dez mil salas exibidoras. Em 1975, já se contavam apenas cinco mil. No ano passado, chegou a mil e novecentos.


Os cinemas interioranos fecharam suas portas. Assim como aqueles de rua, como os antigos e inesquecíveis da Baixa dos Sapateiros e os de bairro. O que se constata é que os cinemas estão sendo construídos para o usufruto de uma elite que pode pagar os quatorze reais de ingresso, ainda a se refestelar com as guloseimas caríssimas que lhe são oferecidas no fast food. O público se infantilizou e se idiotizou. Ir ao cinema, antes um ritual, uma solenidade, uma função, atualmente é comparável a uma ida ao fast food.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

MANUAL DESCOMPLICADO DE ROTEIRO



Por André setaro


Roberto Lyrio Duarte Guimarães ou, como é mais conhecido, Roberto Duarte, lança, amanhã, dia 25 de agosto, a partir das 18 horas, no Instituto Goethe (Icba), que se localiza no Corredor da Vitória, o livro Primeiro Traço - Manual descomplicado de roteiro, um tratado sobre o roteiro cinematográfico ou, segundo as palavras do autor, "o meu pequeno manual". Na verdade, Roberto Duarte é um pesquisador que está sempre a refletir sobre a construção do roteiro e pode ser considerado um dos poucos especialistas no assunto. Há mais de uma década realiza oficinas quase permanentes abertas ao público que se destinam a ensinar, discutir, analisar, e pensar sobre a elaboração do roteiro, que é a pré-visualização de um filme. Excetuando-se os casos particulares, aqueles de cineastas que dispensam o roteiro, o fato é que este é imprescindível para um filme que se queira consistente e bem alinhavado. Duarte sabe caminhar pelos labirintos de sua construção.

A recomendação aqui é feita sem nenhuma hesitação. Leiam e comprem Primeiro Traço - Manual descomplicado de roteiro. E clique na imagem para ver a capa em tamanho maior. O livro é editado pela Edufba e contou com o apoio da Fapesb.