Arnaldo Jabor dirige Marcos Nanini no Rio de Janeiro
Por André Setaro
Após 25 anos sem filmar, Arnaldo Jabor está de volta com A suprema felicidade, filme que se passa nos anos dourados no Rio de Janeiro e apresenta o itinerário de um garoto desde a infância até a adolescência. Este retorno de Jabor ao cinema, quando ficou mais de duas décadas dedicado ao jornalismo e à televisão, é um filme, na verdade, sobre ele próprio, e o jovem que tem sua trajetória percorrida é a trajetória de Jabor no maravilhoso Rio de Janeiro de fins da década de 50. Mistura comédia e drama, com alguns acentos trágicos, mas o seu propósito foi refletir sobre a vivência de um jovem numa cidade decididamente maravilhosa como era o Rio daquela época - sem violência, calma, quando todos podiam andar pelas ruas sem haver o menor perigo. O Rio que tinha no bairro de Copacabana a sua maior referência, com suas boites sofisticadas, onde se estabelecia uma vida noturna inesquecível. Quem não conheceu o Rio deste período não pode ter idéia de sua efervescência, de sua alegria, de sua joie de vivre. A suprema felicidade do título talvez esteja neste recordar nostálgico para uma época, repita-se, maravilhosa, encantadora.
O último filme de Arnaldo Jabor, Eu sei que vou te amar, apesar de alguns elogios que lhe foram conferidos, é bem ruim, verborrágico e muito pretensioso. Com a idade, Jabor ficou mais humilde, menos arrogante, quer no seu discurso cinematográfico, quer no seu jeito de ser. Sua filmografia é bastante irregular. Tem um ótimo filme, que é Toda nudez será castigada, talvez a melhor adaptação para o cinema das torrentes verbais do genial Nelson Rodrigues, que consagrou Darlene Glória como atriz. Mas tem também péssimos filmes, a exemplo de Pindorama, uma curtição filmada na Ilha de Itaparica, obra arrastada, mal ajambrada, que provocou intensa aporrinhação no espectador. Por outro lado, é autor de um excelente documentário (pelo menos é esta a impressão que se tem de uma obra vista há muitos anos) sobre a classe média brasileira: Opinião pública. Seu curta de estréia é bastante interessante: O circo, mas sua segunda incursão no universo rodrigueano, O casamento, não tem a contundência de Toda nudez será castigada.
Jabor fez parte do chamado Cinema Novo e é um nome muito citado. Polêmico, inteligente, sabe vender o seu peixe. Bem articulado, seu discurso sobre seus filmes são bem melhores do que eles. Mas não se pode negar que Toda nudez será castigada é um filme a respeitar, assim como, de certa forma, O casamento, ainda que neste carregue muito na dosagem, a procurar ser mais rodrigueano do que o próprio Nelson Rodrigues. Seus artigos em jornais não possuem uma unanimidade (concordando com o seu mestre, Nelson Rodrigues, de que toda a unanimidade é burra). Carrega muito nas tintas quando quer provocar e tem um acento anárquico (o que é bom) para, como dizia Glauber, "jogar vatapá no ventilador."
Ia-se esquecendo de dois filmes jaborianos: Tudo bem, uma tentativa de retratar as classes sociais dentro de um apartamento em reforma, com atuações brilhantes de Fernanda Montenegro e Paulo Gracindo, e Eu te amo, com Sonia Braga, Vera Fischer, no esplendor de sua beleza, Paulo César Pereio, o indefectível, e Tarcísio Meira, que também se passa, quase todo ele, no espaço exíguo de um amplo apartamento. Apesar de alguns bons momentos, o filme não se realiza por causa justamente da pretensão do autor de ser mais do que pode ser como artista que tenta se exprimir através das imagens em movimento.
A suprema felicidade tem uma bela reconstituição de época, e está cheios de toques poéticos. O autor está a querer, como já se disse, revisitar o seu passado carioca. Teve a sorte de morar no Rio num momento todo especial, qual seja a época dos anos dourados. No elenco, Marco Nanini (que faz o papel do avô do menino e sempre um bom ator), Dan Stulbach (revelação do cinema nacional, principalmente em Tempos de paz, de Daniel Filho), Mariana Lima, Maria Flor, João Miguel (o talentoso intérprete de Cinema, aspirinas e urubus, Estômago, entre outros e que se veio a saber ser filho do político baiano Domingos Leonelli), Jayme Matarazzo (neto de Mayza, a gloriosa Maysa de Meu mundo caiu), Elke Maravilha (como a avó do garoto), Jorge Loredo (o inesquecível Zé Bonitinho da televisão que tinha em Rogério Sganzerla um grande admirador), Maria Luiza Mendonça, Ary Fontoura (um dos grandes atores do cinema e do teatro brasileiros), Camila Amado (que já trabalhou com Jabor em O casamento e ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Gramado), Emiliano Queiroz, entre outros. A fotografia é do excelente iluminador Lauro Escorel.
A suprema felicidade, tem-se aqui uma espécie de intuição e premonição, talvez venha a ser o melhor filme de Arnaldo Jabor, porque obra da maturidade criadora, quando o artista se despe de seu virtuosismo pedante juvenil.