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sábado, 6 de novembro de 2010
GRAVANDO O PROGRAMA "TOQUES DA BAHIA"
A MARGINALIZAÇÃO DE GLAUBER ROCHA PELA PATRULHA IDEOLÓGICA
Pro André Setaro
Glauber de Andrade Rocha estaria, se vivo estivesse, com respeitáveis 71 anos. Nasceu nos já distantes 1939 (14 de março), quando a Segunda Guerra Mundial estava prestes a explodir, e desapareceu prematuramente em 1981 (22 de agosto), aos 42, tendo, como causa mortis, uma septicemia (infecção generalizada) ao desembarcar, vindo de Portugal, no Rio de Janeiro.
Muito já se escreveu sobre a obra cinematográfica de Glauber Rocha e, também, muito já se falou sobre a sua esfuziante personalidade polêmica por natureza. Há exegeses de todo tipo publicadas sobre a rica filmografia de Glauber Rocha, mas o melhor livro sobre ele, na minha opinião, é o de João Carlos Teixeira Gomes (Joca), Glauber, esse vulcão, editado em 1997 pela Nova Fronteira. Teixeira Gomes era um dos melhores amigos do realizador e participou de sua juventude agitada na província da Bahia nos saudosos anos 50.
Não vou falar sobre os filmes de Glauber Rocha, pois muitos já o fizeram (inclusive este comentarista). Quero me restringir à sua polêmica volta ao Brasil na década de 70, quando foi colocado à margem por grande parte de seus amigos do Cinema Novo e pela intelectualidade dita de esquerda.
Acontece que, em 1974, na desaparecida revista Visão, Zuenir Ventura encomendou a Glauber um artigo sobre o Brasil. O texto publicado veio a provocar a ira de seus companheiros, porque, nele, Glauber escreveu que a volta do país à democracia não poderia prescindir do apoio dos militares progressistas. E elogiou a abertura, lenta, gradual, de Geisel, chamando o General Golbery do Couto e Silva de “gênio da raça”.
Na sua volta, ao invés de uma aclamação, recebeu a indiferença (e, segundo William Shakespeare, "a indiferença também é crime" - "Hamlet") e viu negada a publicação de seus escritos em jornais alternativos como Movimento, Opinião e até em O Pasquim. O Partidão emitiu ordem no sentido de que se espalhasse que Glauber estava completamente maluco (na acepção psiquiátrica). Pessoa muito emocional, sentimental, Glauber amargou o desespero. Não se apaga fatos históricos (como Stalin pretendeu fazer em Outubro [1927], de Sergei Eisenstein, quando mandou tirar as imagens de Trotsky).
Em 1977, quando da morte de Di Cavalcanti, Glauber adentrou o velório, ao lado do fotógrafo Mário Carneiro, e passeou, com sua câmera, o corpo defunto do famoso pintor - a família deste, depois, entraria com um processo na justiça para impedir a circulação do filme, que, apresentado em Cannes, ganhou a Palma de Ouro de melhor curta metragem. Mas, antes da proibição (que perdura até hoje), Di Cavalcanti teve negada a sua exibição numa jornada baiana em 1977. O impedimento de o filme ser mostrado tem como causa a ordem partidária emitida pelo Partidão em função da marginalização do cineasta. Enfurecido, ao saber da recusa, o realizador ataca furiosamente o organizador da jornada e estabelece uma polêmica em jornais que foi esquecida propositadamente, mas que vale, agora, ser lembrada.
Nada tenho contra o Partidão, mesmo porque, ainda que nunca fazendo parte de seus quadros, era, na época, um jovem de pensamento de esquerda, simpatizante dos comunistas, inclusive. Mas aqui se trata da constatação de fatos.
A partir de 1978, começam os preparativos para a realização de A idade da terra, todo financiado pela Embrafilme, com os maiores recursos da empresa no financiamento de um filme brasileiro. Falou-se, na época, que houve intervenção de Golbery para a liberação das verbas. O fato é que Glauber filmou a vontade, e o resultado foi um copião de 40 horas. Como montar o filme e retirar, no mínimo, 37 horas e meia para ajustá-lo às 2 horas e mais (como ficou o tempo de duração na cópia final)?
Amigo e companheiro de Glauber desde os seus primeiros filmes, Roque Araújo foi presenteado pelo amigo com as 37 horas e meia de celulóide para que as vendesse para uma fábrica de vassouras em Niterói. Roque, sempre atento, desistiu e guardou tudo em seu apartamento. Morto o cineasta no ano seguinte, Roque aproveitou o rico material excedente e realizou um documentário precioso como documento histórico: No tempo de Glauber, no qual estão registrados os bastidores das filmagens de A idade da terra, inclusive a célebre briga entre Glauber e Valentin Calderon de La Barca, então diretor do Museu de Arte Sacra dentro do qual Glauber queria filmar um ritual dançado por freiras desabusadas.
A irritação pegou foto quando Glauber, já a morar em Portugal, abraçou efusivamente o General João Figueiredo quando este estava a visitar o país. O abraço, no entanto, é simbólico. Figueiredo, presidente, representava o Brasil e promovia a abertura. Já tinha sido promulgada a lei da anistia, a censura se encontrava branda, e Glauber, neste ato simbólico, o que queria, na verdade, era abraçar o Brasil. Mas a esquerda não o perdoou. A morte de Glauber talvez tenha muito a ver com esta marginalização que sofreu de seus companheiros de luta. Falou-se, na época de sua morte, de um assassinato cultural.
Em Glauber, o filme – Labirinto do Brasil, documentário de Sílvio Tendler, as cenas do sepultamento de Glauber – proibidas de serem veiculadas por mais de vinte anos por sua mãe, Dona Lúcia Rocha – mostram todos seus companheiros e amigos do peito do Cinema Novo. Todos se encontram emocionados, tristes, muitos a chorar. Lágrimas de crocodilo? Parece que não. Aqueles que fizeram de tudo para marginalizá-lo estavam todos lá, contritos. A morte funcionou como uma redenção. Glauber foi sacralizado. E mostras e homenagens foram realizadas por muitos que o chamaram de maluco e coisas que tais.Glauber de Andrade Rocha estaria, se vivo estivesse, com respeitáveis 71 anos. Nasceu nos já distantes 1939 (14 de março), quando a Segunda Guerra Mundial estava prestes a explodir, e desapareceu prematuramente em 1981 (22 de agosto), aos 42, tendo, como causa mortis, uma septicemia (infecção generalizada) ao desembarcar, vindo de Portugal, no Rio de Janeiro.
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
A DECADÊNCIA DOS TRAILERS
Gostava muito de ver trailers e, muitas vezes, ficava para a outra sessão apenas para vê-los novamente (num tempo em que era permitido se ficar para quantas sessões se quisesse - o cinéfilo podia entrar duas da tarde e sair meia-noite depois da última sessão). A velocidade, que castiga sobremaneira a contemplação, leva tudo de roldão. Não há, no chamado cinemão, mais espaço para a reflexão e a contemplação, exceção se faça a alguns filmes privilegiados com a vida inteligente atrás das câmeras, a exemplo de A troca e Gran Torino, ambos de Clint Eastwood, Sangue negro, de Paul Thomas Anderson, as fitas dos fratelli Coen, os filmes de Martin Scorsese, Antes que o diabo saiba que você está morto, de Sidney Lumet, entre poucos.
Mas nem tudo está perdido, pois ainda restam realizadores competentes como Sidney Lumet, cujo Antes que o diabo saiba que você está morto foi um dos melhores filmes apresentados no circuito há alguns anos. E há, bissextamente, delicatessens, como Medos privados em lugares públicos, do mestre supremo Alain Resnais. E o recente Ervas daninhas (Les herbes folles), que já saiu em DVD.
Mas estava a falar dos trailers. Antes do atual "tsunami" da "videoclipação", os trailers eram pensados como se fossem um curta-metragem e possuíam estilos, ritmos, e, em alguns casos, uma marca pessoal muito forte, como os trailers dos filmes de Alfred Hitchcock, que eram todos dirigidos por ele. O mestre aparecia a comentar, a fazer piadas, a anunciar o filme de maneira surpreendente e genial. Em Anatomia de um crime, de Otto Preminger, este, que não trabalha no filme, aparece no tribunal vazio a chamar, um por um, os atores do filme. Na atualidade, porém, os trailers se descaracterizaram, e são praticamente todos iguais feitos pela "linha de montagem" dos estúdios, a perder, com isso, a originalidade que possuíam.
E por falar em trailers, é absolutamente insuportável a quantidade destes que algumas distribuidoras de DVDs colocam antes do filme propriamente dito. A finalidade, que seria a de promover os filmes, para mim surte efeito contrário. E dá trabalho avançar para não vê-los e cair diretamente no filme.
Mas o público pouco ou quase nada está a ligar para isso. Seria interessante se fazer uma mostra de como eram os trailers de antigamente para se ter uma idéia da engenhosidade com que eram feitos. O trailer original de Cidadão Kane, que pode ser encontrado no DVD distribuído pela Warner (o da Continental não deve ser visto, pois a cópia, como de hábito nesta distribuidora, é muito ruim), é muito original, e tem um microfone como condutor de sua realização. Aliás, Kane, de Welles, é um filme bem radiofônico (Rogério Sganzerla aproveitaria o "gancho" em O bandido da luz vermelha, que é um filme radiofônico sem deixar de ser extremamente cinematográfico).
Na época em que as imagens em movimento estavam restritas às salas exibidoras e, para vê-las, tinha-se que pagar um ingresso (hoje as imagens podem ser vistas em diversos suportes e a criança já nasce vendo a televisão ligada no quarto da maternidade), havia uma maior magia, um maior encantamento. Na época em que os cinemas tinham quase dois mil lugares, cortinas, e a abertura de uma sessão se fazia de forma pomposa, com gongos, luzes de variadas cores que se acendiam e apagavam, a cortina que se abria com cerimônia.
Os cine-jornais desapareceram com o advento do jornalismo televisivo, porque, em tempos idos, quando as emissoras televisivas ainda não possuíam um jornalismo eficiente, a única maneira de se ver as celebridades e as personalidades da política e da sociedade era através das atualidades. Conhecia-se, por exemplo, os presidentes da República por elas. Havia, no final, sempre um jogo de futebol, que era apresentado um mês depois de sua realização.
Os “trailers” que vemos atualmente nos cinemas é um pálido reflexo daqueles do passado.
terça-feira, 2 de novembro de 2010
OFICINA DE CINEMA NO lll BAHIA AFRO FILM FESTIVAL
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
CURSO DE CAMERA em Salvador (CINEGRAFISTA) na CAP ESCOLA DE TV E CINEMA SALVADOR
INICIO: 03 DE NOVEMBRO
Conteúdo: curso prático – o aluno aprende a operar câmera profissional de TV; planos e movimentos de câmera; mercado de trabalho.
Investimento: R$ 350,00 ( em 2 x de r$ 175,00 com cheque pré) ou a vista R$ 300,00.
Professor: Xeno Veloso
Duração: 8 dias
sábado, 23 de outubro de 2010
O CINEMA EM SI
O surrealismo parte de uma atitude revolucionária em filosofia, cujo verdadeiro objetivo não consistiria em interpretar o mundo, mas, sim, em transformá-lo. Na forma exposta por seu principal animador, André Breton, o surrealismo revela forte influência do materialismo dialético, dele retirando sua "lógica da totalidade". Assim como o sistema social constitui um todo e nenhuma de suas partes pode ser compreendida separadamente, a arte não deve ser o reflexo de uma parcela de nossa experiência mental (a parcela consciente), mas uma síntese de todos os aspectos de nossa existência, especialmente daqueles que são mais contraditórios.
O surrealismo tenciona apresentar a realidade interior e a realidade exterior como dois elementos em processo de unificação, e nisto está sua capacidade de passar do estático para o dinâmico, de um sistema de lógica a um modo de ação, o que é uma característica da dialética marxista. O cinema se revelou como o instrumento ideal para a conquista da supra-realidade, pois a câmera é capaz de fundir vida e sonho, o presente e o passado se unificam e deixam de ser contraditórios, as trucagens podem abolir as leis físicas, etc.
Quando Buñuel apresentou, em Paris, O Anjo Exterminador (1961), o exibidor lhe solicitou que escrevesse alguma coisa para colocar na porta da sala de exibição. Buñuel rabiscou o seguinte: "A única explicação racional e lógica que tem este filme é que ele não tem nenhuma". Noutra ocasião, ao ganhar o Leão de Ouro de Veneza por A Bela da Tarde (Belle de Jour, 1966), lhe perguntaram o significado da caixinha de música que um japonês carrega quando no quarto com Catherine Deneuve. O cineasta respondeu que não sabia. Assim, o espectador não pode racionalizar dentro de determinada lógica nos filmes surrealistas. É claro que os significados existem, amplos, dissonantes e insólitos. E por que os convidados aristocráticos de O Anjo Exterminador, ainda que não haja nenhum obstáculo que lhes impeçam de sair, não conseguem evadir-se da mansão? Um recurso surreal para a análise da condição humana, um laboratório criado para se investigar pessoas numa situação-limite.
Excetuando-se alguns ensaios vanguardistas e sua fugidia presença em comédias de Buster Keaton, Jerry Lewis, Jim Carrey, em filmes de Carlos Saura (Mamãe Faz Cem Anos, etc), Jean Cocteau (O Sangue de um Poeta/Le sang d'un poete), entre poucos outros, o surrealismo cinematográfico está inteiramente contido em Un Chien Andalou(1928) e L'Age D'Or (1930), ambos do espanhol Luis Buñuel, com colaboração de Salvador Dali. A cena inicial do primeiro é famosíssima: o próprio Buñuel, após contemplar uma enorme lua prateada no céu, afia uma navalha e corta pelo meio o globo ocular de uma mulher que está sentada. No segundo, vemos um cão ser arremessado pelos ares, uma vaca deitada sobre a cama, um bispo e uma árvore em chamas sendo despejados por uma janela, situações de delírio erótico, baratas numa mão que toca pianola, etc.
A ambigüidade do termo surrealismo pode sugerir transcendência, predomínio da imaginação sobre a realidade. Seria pura imaginação de Séverine sua ida ao bordel todas as tardes? A rigor, isso não importa, A significação é mais ampla, conecta-se mais ao discurso do modo de tradução do real. O surrealismo pretendia um automatismo psíquico que expressasse o funcionamento real do pensamento. Você, caro leitor, às vezes não tem pensamentos indesejáveis? É o inconsciente. Assim, e isto é muito importante, o domínio do surrealismo é o que acontece na mente humana antes que o raciocínio possa exercer qualquer controle. O papa surreal André Breton dormia com um caderno em cima do criado mudo para anotar os seus sonhos, chamando, tal comportamento, de escrita automática.
O automatismo provocado pelo surrealismo implica numa transfiguração anárquica do mundo objetivo, cujo efeito imediato é o riso. Mas o humor, aqui, é uma nova ética destinada a sacudir o jugo da hipocrisia. E o sonho é encarado como uma revelação do espírito, sendo afirmada a sua riqueza sob o duplo ângulo da psicologia e da metafísica. Para chegar à consciência integral de si próprio, o homem tem de decifrar o mundo do sonho, pois deixá-lo na obscuridade representa uma mutilação do nosso ser.
Un Chien Andalou e L'Âge d'Or procuravam, pois, o homem integral, "buscando a recuperação total de nossa força psíquica por um meio que representa a vertiginosa descida para dentro de nós mesmos, a sistemática iluminação de zonas ocultas", como consta do manifesto de Breton. Neles têm um papel saliente o grotesco, o cruel, o absurdo, tudo com um sentido de revolta e solapamento.
Segundo Breton, qualquer divisão arbitrária da personalidade humana é uma preferência idealista. Se o propósito é o conhecimento da realidade, devemos incluir nela todos os aspectos de nossa experiência, mesmo os elementos da vida subconsciente. Essa é a pretensão do surrealismo, movimento artístico que abrangeu além da pintura, escultura e cinema, também a prosa, a poesia, e até a política e a filosofia.
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
GRAVANDO CURTA NO JARDIM DE ALHÁ
Woodstock No Jardim de Alha!
GRAVANDO!!!
terça-feira, 19 de outubro de 2010
MORRE VIVALDO DA COSTA LIMA
OS RECURSOS DA MONTAGEM
- os operários diante do patrão
- os manifestantes diante do oficial de polícia
- o patrão com a caneta na mão
- o oficial ergue a mão para dar ordem de atirar
- uma gota de tinta cai na folha de reivindicações
- o oficial abaixa a mão; salva de tiros; um manifestante tomba.
O que Kulechov entendia por montagem se assemelha à concepção do pioneiro David Wark Griffith, argumentando que a base da arte do filme está na edição (ou montagem) e que um filme se constrói a partir de tiras individuais de celulóide. Pudovkin, outro teórico da escola soviética dos anos 20, pesquisou sobre o significado da combinação de duas tomadas diferentes dentro de um mesmo contexto narrativo. Por exemplo,
Considerada a expressão máxima da arte do filme, a montagem, entretanto, vem a ser questionada na sua supremacia como elemento determinante da linguagem cinematográfica com a introdução - em fins dos anos 30 - das objetivas com foco curto que permitiu melhorar as filmagens contínuas - a câmera circulando dentro do plano - com uma potenciação de todos os elementos da cena e com um tal rendimento da profundidade de campo (vide
sábado, 16 de outubro de 2010
6ª MOSTRA DE CINEMA DE VITÓRIA DA CONQUISTA
sexta-feira, 15 de outubro de 2010
GRAVANDO "TOQUES DA BAHIA" PARA UMA TV DE SÃO PAULO
"TOQUES DA BAHIA" PROGRAMA GRAVADO PELO CAP ESCOLA DE TV E CINEMA PARA UMA TV DE SÃO PAULO
PROGRAMAS "TOQUES DA BAHIA"
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
PROGAMA "TOQUES DA BAHIA"
CURSO DA CAP ESCOLA DE TV E CINEMA EM SALVADOR
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
DOIS DE JULHO ( O FILME )
ODE AO DOIS DE JULHO
DOIS DE JULHO O FILME
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
6ª MOSTRA DE CINEMA DE VITÓRIA DA CONQUISTA-BA
sábado, 2 de outubro de 2010
Longa baiano ‘Trampolim do Forte’ surpreende na Première Brasil
domingo, 26 de setembro de 2010
DOCUMENTÁRIO SOBRE SARAMAGO É ESTREIA MUNDIAL NO FESTIVAL DO RIO DE JANEIRO.
Pilar del Río y José Saramago, imortalizado no documentário do português Miguel Gonçalves Mendes que tem estréia mundial no Festival do Rio
Rio de Janeiro (Agência Rio) - Está confirmada para a noite deste sábado (25), às 19h, no Espaço de Cinema, em Botafogo - Zona Sul do Rio - a sessão de gala e estreia mundial do documentário "José & Pilar", do português Miguel Gonçalves Mendes, que mostra no Festival do Rio de Cinema a intimidade do escritor e jornalista português José Saramago e sua mulher, Pilar del Río, que veio à cidade em companhia do realizador da obra.
Saramago morreu em junho dsste ano de 2010 aos 87 anos e o filme de Miguel Gonçalves Mendes é considerado o retrato mais íntimo já feito do escritor português.
Quem também é atração neste fim de semana no Festival é Roman Polansky. Além da exposição de fotografias e cartazes de filmes sobre ele, o Festival do Rio preparou uma programação de exibição de seis curtas metragens do diretor e um documentário a seu respeito, além de diversos debates sobre o trabalho do artista, envolvendo profissionais de diversas áreas.
Os filmes e debates acontecem no Pavilhão do Festival, com entrada gratuita: as sessões sempre às 17h, e os debates às 18h30h. Neste domingo (26) o debate será em torno do tema “O Mal em Polanski”, com os críticos Rodrigo Fonseca e Mario Abbade.
Cine Encontro
O Cine Encontro é o ambiente que acolhe a maior parte dos debates do Festival. O grande público tem a chance de assistir filmes brasileiros da Première Brasil e discutir essas obras e temas correlatos em encontros com membros das equipes dos filmes e especialistas de diversas áreas.
Os debates do Cine Encontro acontecem no Pavilhão do Festival, sempre após a exibição, a preços populares (R$ 2,00 - inteira e R$ 1,00 - meia), dos filmes em competição no próprio Pavilhão. Para esta edição, serão 17 sessões, sempre realizadas às 13h (documentários) e às 15h (ficções), seguidas de 17 debates (15h para documentários e 17h para ficções) com a participação de diretores, atores, produtores, roteiristas e fotógrafos que trabalharam nas produções selecionadas para competir ao Troféu Redentor nas diversas categorias de 2010.
O Pavilhão do Festival também acolherá algumas mesas especiais. “Memória Audiovisual Como Patrimônio Cultural Conferência De Preservação Cinematográfica”, que seguirá a exibição de uma cópia restaurada de “Rico Ri à Toa”, de Roberto Farias, na sexta-feira, (1), e contará com a presença do diretor, Ilda Santiago, diretora do Festival, João Luiz Vieira, professor e pesquisador, Francisco Moreira.
Neste sábado a mesa especial vai estar debatendo Além da Estrada, de Charly Braun, que será eixbido as 15, xcom o debate começando as 17 h, em presença de Charly Braun (diretor), Pablo Ramos (fotógrafo), Esteban Feune de Colombi (ator) e Fernando Coster (montador). A mediadora será Cristina Grillo (jornalista e critica de cinema
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
O SUJEITO EXTRAORDINÁRIO E A MIMESIS CAMUFLADA
O cinema nasceu faz pouco e já nasceu múltiplo. Se Lumière, fascinado pela "magnífica impressão da vida real" provocada por sua invenção, buscou representar "naturalmente" a realidade observada ou encenada, Méliès, ao contrário, procurou logo criar, através do cinema, uma nova realidade, filha da mágica e da poesia. (Se pudéssemos – e felizmente não podemos – dividir o cinema em dois grandes grupos, cujos patronos seriam Lumière e Méliès, sou Méliès de carteirinha, o realismo nunca me enganou.) Volto ao início: o que seria, portanto, um filme clássico?
As primeiras acepções da palavra "clássico" registradas pelo dicionário, "relativo à arte, à literatura ou à cultura dos antigos gregos e romanos" ou "que segue, em matéria de artes, letras, cultura, o padrão desses povos", só serve ao cinema para definir seus limites físicos na tela. Outros sentidos da palavra "clássico", "da mais alta qualidade; modelar, exemplar" (carros ou vinhos) ou "sem excessos de ornamentação; simples, sóbrio" (vestidos ou sapatos) são vagos demais ou puramente subjetivos, não ajudam muito.
Na linguagem coloquial, quando alguém se refere a "um clássico do cinema" ou a "um filme clássico" está usando ainda outro sentido da palavra, afirma que seu "valor foi posto à prova do tempo" e que, portanto, trata-se de um bom filme "antigo". Mas quando o crítico Inácio Araújo afirma – acredito que com razão - que meu filme Houve Uma Vez Dois Verões "busca como referencial o cinema clássico" ou quando a USP dá um curso com um módulo chamado "Cinema Clássico, expondo os princípios da linguagem clássica do cinema", tenho que recorrer a outra acepção que o dicionário me oferece da palavra "clássico": "que segue os cânones preestabelecidos; acorde com eles". Clássico seria, portanto, o filme que segue o padrão hoje dominante. Que padrão é este? Podemos buscar a resposta analisando a estrutura dramática e os procedimentos narrativos do cinema americano nos últimos 50 anos (pelo menos).
Como estrutura dramática, o padrão é a narrativa em três atos, com um protagonista que recebe um "chamado à aventura" e segue, com possíveis variações, as etapas descritas por Joseph Campbell em "O Herói de Mil Faces" (e também por Christopher Vogler em "A Jornada do Escritor", espécie de versão cinematográfica dos estudos de Campbell). Em resumo: descrição do mundo comum, o herói-protagonista é chamado à aventura, inicialmente recusa, encontra o mentor e acaba aceitando o convite, viaja ao mundo especial (oposto ao mundo normal onde a história começa), recebe a chave, ultrapassa um portal, enfrenta provas, conhece inimigos e aliados, desobedece o mentor, enfrenta o antagonista, triunfa e regressa, transformado, ao mundo normal para dividir com seus pares (e com os espectadores) os frutos (o elixir) e descobertas de sua aventura.
É uma estrutura simples mas é, sem dúvida, clássica, já que remonta às origens das fábulas e, portanto "seu valor foi posto à prova do tempo". Seria ainda, numa visão junguiana, uma estrutura "natural" e "orgânica". Jung pensava que "exatamente como o corpo humano representa um verdadeiro museu de órgãos, cada qual com sua longa evolução histórica, da mesma forma deveríamos esperar encontrar também, na mente, uma organização análoga, um inconsciente coletivo. Nossa mente jamais poderia ser um produto sem história, em situação oposta ao corpo, no qual a história existe".
"No Inconsciente Coletivo existem, segundo Jung, estruturas psíquicas ou arquétipos, formas sem conteúdo próprio que servem para organizar ou canalizar o material psicológico. Eles se parecem um pouco com leitos de rio secos, cuja forma determina as características do rio. (...) Jung também chama os arquétipos de imagens primordiais, porque eles correspondem freqüentemente a temas mitológicos que reaparecem em contos e lendas populares de épocas e culturas diferentes. Os mesmos temas podem ser encontrados em sonhos e fantasias de muitos indivíduos. De acordo com Jung, os arquétipos, como elementos estruturais e formadores do inconsciente, dão origem tanto às fantasias individuais quanto às mitologias de um povo". J. Fadiman, R. Frager, Teorias da Personalidade .
Desconfio que, ao chamarmos este tipo de cinema de "clássico", estamos utilizando as últimas e menos nobres acepções da palavra clássico: "famoso por se repetir ao longo do tempo; tradicional" ou, ainda pior, "costumeiro, habitual". Clássico seria, portanto, um filme banal. Qualquer alteração nestes padrões são imediatamente saudadas (ou repelidas) como inovações: os personagens que falam olhando para a câmera em Godard ou Woody Allen; a alteração da cronologia em Pulp Fiction; a inexplicada chuva de sapos em Magnólia; as fábulas incompreensíveis de David Lynch; a falta de concentração dramática em Jim Jarmusch; o tom não-realista, no limite da farsa, dos irmãos Cohen ou de Almodóvar, só para citar alguns exemplos.
O cinema nasceu mutante. Se é verdade que podemos estabelecer algumas escolas predominantes em diferentes décadas (cheguei a escrever "épocas", mas a palavra é ampla demais para se referir a fatias de tempo tão curtas), também é verdade que, em cada década encontramos filmes de todos os tipos e gêneros. A tentativa de colocar todos os filmes de um período na mesma prateleira é sempre falha e responsável por grandes injustiças. Ouvi falar tanto nas maravilhas do Cinema Novo que só recentemente vi um dos melhores filmes do período, "Todas as mulheres do mundo", de Domingos de Oliveira, um clássico (seu "valor foi posto à prova do tempo") que, visto hoje, me causa tanto prazer estético (ou mais) e me fala tanto sobre aquela época (ou ainda mais) que "Terra em Transe" ou "Deus e o Diabo na terra do sol".
Se o cinema é tão múltiplo, talvez seja melhor procurar nas outras linguagens a chave para a compreensão dos gêneros. Poderíamos assim, por analogia, entender melhor as diferenças entre as várias formas de representar a vida. A literatura é uma forma de expressão muitíssimo mais sofisticada que o cinema, não só pelo seu acesso fácil ao inconsciente alheio, mas também porque começou quatro ou cinco mil anos antes. Se achamos que "Cidadão Kane" é um clássico por ter sido o seu "valor posto à prova do tempo", o que dizer de Homero, Aristóteles, Montaigne, Shakespeare e Cervantes? Petrônio tem piadas que continuam boas depois de dois mil anos, isto é que é clássico! (Uma do "Satiricon", do banquete de Trimalcião: "Ele é tão rico que, se quiser, toma leite de galinha!").
Eu, é claro, não fui o primeiro a buscar na literatura a chave para a compreensão dos procedimentos narrativos do cinema. Eisenstein foi fundo sobre o tema no seu texto "Dickens, Griffith e nós":
"Deixemos Dickens e toda a plêiade de antepassados, que remontam inclusive aos gregos e a Shakespeare, lhes lembrarem mais uma vez que ambos, Griffith e nosso cinema, provam que nossas origens não são apenas as de Edison e seus companheiros inventores, mas se baseiam num enorme passado cultural; cada parte deste passado, em seu momento da história mundial, impulsionou a grande arte da cinematografia. Que este passado seja uma reprovação às pessoas inconscientes que trataram com arrogância a literatura, que contribuiu tanto para esta arte aparentemente sem precedentes e é, em primeiro lugar, e no mais importante: a arte de observar – não apenas ver, mas observar." Eisenstein, em "A Forma do Filme".
Claro, é disso que se trata: a arte de observar.
Usando como guia o livro "Mimesis", de Erich Auerbach, resolvi fazer (para mim mesmo, publico quando tiver sessenta anos e estiver exilado na Turquia) um paralelo entre os modos de representação da realidade na literatura e no cinema. Sendo o cinema (como eu já disse) uma forma mutante, a cronologia da lista vai para o espaço. Alguns tópicos do meu "estudo", por enquanto tenho pouco mais que os títulos dos capítulos:
Homero e o flash-back:
Petrônio e a prosódia:
Dante e a vertigem dos acontecimentos:
Santo Agostinho e a transformação do personagem: cai a ficha.
Boccaccio e as vídeo-locadoras: a fábula como entretenimento. (os bons filmes "B" americanos)
Rabelais e os delírios visuais: arte é tudo que a natureza não é. (Fellini, Buñuel)
Montaigne e o documentário: a condição humana. (Eduardo Coutinho)
Shakespeare, Giotto e a corporalidade: o renascimento da tragédia e a invenção do homem. (Bergman, Kurosawa, Woody Allen)
Moliére e a comédia: a história como máquina. (Billy Wilder)
Voltaire e a decupagem: a técnica do holofote e o humor como forma avançada da filosofia.
Saint-Simon e o acaso: a multidão de personagens. (Altman)
Stendhal, Balzac e a narração off: o autor como personagem e a invenção do realismo.
Flaubert e a imagem dramática: o roteiro como literatura. (As Horas – Stephen Daldry / Michael Cunningham, Tarkovsky)
Brecht e o cinema-teatro: realismo tem hora. (Glauber)
Como o assunto aqui é "O Sujeito Extraordinário", me concentro nos séculos 15 e 16, período em que a decadência da idéia de "destino" e a queda do ibope de Deus fizeram ressurgir a tragédia (2) e o ser humano foi reinventado pela ficção e pelos ensaios (documentários?) nas palavras de Montaigne, Shakespeare e Cervantes.
"Os outros formam o homem, eu relato a seu respeito e represento um em particular, bastante mal formado: eu mesmo. (...) Não posso fixar o meu objeto; ele vai, confuso e titubeante, com uma ebriedade natural. Pego-o em qualquer lugar, como está, no instante em que com ele me divirto; não descrevo o ser, descrevo a passagem. Ninguém tratou de um assunto do qual entendesse ou o qual conhecesse melhor do que faço. (...) Descrevo uma vida baixa e sem brilho: dá na mesma; é possível achar toda a filosofia moral numa vida popular e privada tanto quanto numa vida feita de matéria mais rica: cada homem leva em si a forma inteira da condição humana." Montaigne, Ensaios, livro II, capítulo 2. "As pessoas finas observam mais curiosamente e mais coisas, porém as glosam; e, para que façam valer sua interpretação e persuadam, não podem deixar de alterar um pouco a História; jamais mostram as coisas puras, as inclinam e as mascaram conforme as viram. (...) Gostaria que cada um escrevesse o que sabe e na medida em que o sabe." Montaigne, Ensaios, Livro I, capítulo 31.
"Ser ou não ser - eis a questão. Será mais nobre sofrer na alma pedradas e flechadas do destino feroz ou pegar em armas contra o mar de angústias - e, combatendo-o, dar-lhe fim? Morrer; dormir; ó isso. E com o sono - dizem – extinguir dores do coração e as mil mazelas naturais a que a carne é sujeita; eis uma consumação ardentemente desejável. Morrer - dormir - dormir! Talvez sonhar. Aí está o obstáculo! Os sonhos que hão de vir no sono da morte quando tivermos escapado ao tumulto vital nos obrigam a hesitar: e é essa reflexão que dá à desventura uma vida tão longa." Shakespeare, Hamlet, ato III, cena 1.
"Um dos dilemas inerentes à interpretação de Hamlet é que jamais sabemos a certo quando ele está representando o papel de Hamlet, a despeito da "atitude extravagante".
(a) parte da armadura que protege a cabeça e o rosto. (b) capacete sem viseira].
"Cervantes sustentou que o seu Dom Quixote fora feito para acabar com os romances de cavalaria. Mas o que ele fez foi criar um protótipo do romance, o gênero mais popular da literatura moderna. (...) Por sorte ou por malícia Cervantes criou uma nova forma, que outros autores puderam desenvolver e aperfeiçoar - uma maquete para versões da comédia humana. Ele criava não apenas um romance, criava o romance ocidental, que lhe deu um lugar entre os inventores do nosso mundo moderno, lugar comparável ao de Copérnico no mundo dos descobridores.
Não tenho nada a acrescentar na defesa que Aristóteles, em oposição a Sócrates e Platão, fez da poesia e da arte. Retomo a analogia porque acho que o cinema, na lógica platônica, estaria afastado da realidade em dois graus e meio. Um filme sobre uma vida não é uma vida, assim como a pintura de uma cama não é uma cama e a pintura de um cachimbo não é um cachimbo.
Isto não acontece no cinema, ao contrário. Na fotografia, e ainda mais no cinema, a imagem de uma cama sempre leva a crer a existência de uma cama real e possível de ser fotografada. A fotografia (e mais ainda o cinema) nos força a uma ilusão: eu estou vendo uma cama, logo existe uma cama, a imitação é camuflada pelo caráter mecânico e aparentemente não subjetivo da linguagem fotográfica.
Todos nós sabemos que esta "não-subjetividade" é falsa. E tanto mais elaborada se torna a linguagem cinematográfica mais aumenta a subjetividade. Tomemos por exemplo as primeiras imagens do cinema, a chegada do trem na estação e a saída da fábrica registradas por Lumière. Suponho que aquele trem existiu e chegou mesmo numa estação, a subjetividade ali se limita a posição da câmera e a escolha do momento em que o filme começou e terminou de rodar. Já na saída da fábrica me ocorre uma dúvida: Lumière esperou que o apito da fábrica tocasse e acionou sua câmera (o que poderia significar um desperdício do raro negativo) ou acionou sua câmera e gritou "ação" aos operários? Quanto de "encenação" há naquela imagem? A dúvida pouco importa: Lumière logo descobriu que poderia "encenar" a realidade, com atores e ações previamente combinadas. A ficção e o documentário, no cinema, são gêmeos bivitelinos.
A linguagem cinematográfica sempre contém uma enorme dose de encenação, seja em "Nanook do Norte", do Flaherty (que teve os negativos perdidos e foi refeito), em "Aruanda", de Linduarte Noronha (que tem um roteiro e uma decupagem muito precisa) (3), em "Ilha das Flores" (onde o dono dos porcos é o motorista da nossa kombi), em "Tire Dié", do Fernando Birri (onde as crianças dão uma aula de interpretação), em "Esta não é a sua vida" (onde Noeli aprendeu rapidamente a selecionar os trechos mais interessantes de sua história).
"(...) Na angústia sensacionista de todos os dias sentidos, na mágoa quotidiana das matemáticas de ser, eu, escravo de tudo como um pó de todos os ventos, ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe de mim! (...) Por que é que ensinaste a clareza da vista se não me podias ensinar a ter a alma com que a ver clara? Por que é que me chamaste para o alto dos montes se eu, criança das cidades do vale, não sabia respirar?" Fernando Pessoa, Ficções do Interlúdio, poesias de Álvaro de Campos.
Simplificação: Um personagem é sempre uma simplificação, uma concentração de ações e palavras que o define no interesse da narrativa. Na ficção, esta simplificação é feita em parceria e cumplicidade com o ator. No documentário, quase inevitavelmente, a simplificação é feita sem que o "ator" tenha dela plena consciência.
"Vinde a mim as criancinhas do nordeste que eu ensino a fome a receber cachê." Nei Lisboa, em "Carecas da Jamaica".
Mimesis: Um documentário representa uma vida, como uma pintura representa uma cadeira, e a cadeira existe, tem vida real. A ficção é sempre intermediada pela consciência de uma mimesis, pelo acordo tácito que envolve qualquer representação, qualquer jogo dramático. O documentário, em oposto, sugere o registro da vida, como se ela acontecesse independentemente da presença da câmera, o que é falso.
"O que expressamos com palavras já está morto em nossos corações." A literatura, ao mergulhar no mar de sentimentos inconfessáveis, é capaz de representar a vida de forma muito mais complexa que o cinema. E, por mais que os melhores documentários (como "Cabra marcado para morrer", por exemplo) revelem, por habilidades da imagem ou da montagem, sentimentos inconfessos de seus personagens, muito mais pode o jogo dramático na ficção.
Pensemos, apenas para citar um exemplo fresco, na representação da relação de Laura Brown (personagem de Julianne Moore) com seu marido Dan (John C. Reilly) em "As Horas" (de Stephen Daldry).
Mais uma vez, a saída é a literatura e a ficção. A cena em que Laura (Julianne Moore) está à mesa de jantar com seu marido e filho, me remete imediatamente a Emma Bovary:
"Mas era sobretudo às horas da refeição que ela não agüentava mais, nesta pequena sala do andar térreo, com a estufa que fumegava, a porta que rangia, os muros que gotejavam, as lajes úmidas; toda a amargura da existência parecia-lhe servida no seu prato e, como a fumaça do cozido, subiam do fundo de sua alma como em outras baforadas de enjôo. Carlos era vagaroso ao comer; ela mordiscava algumas avelãs, ou então, apoiada no cotovelo, divertia-se a fazer riscos com a ponta da faca na toalha." Madame Bovary, Gustave Flaubert.