Amparado nestes ditos de Eisenstein, há de se ver que, no cinema, como em quase todos os ramos das ciências, quando se reúne elementos (no sentido amplo) para obter um resultado, este é freqüentemente diferente daquele que se esperava: é o fenômeno dito de emergência. Aprende-se, por exemplo, em biologia, que pai e mãe misturam seu patrimônio hereditário para criar uma terceira personagem não pela soma desses dois patrimônios, mas, ao contrário, pela combinação deles em um novo patrimônio inédito. Em química, sabe-se ser possível misturar dois elementos em quaisquer proporções, mas não é possível combiná-los verdadeiramente em um corpo novo se não tem proporções perfeitamente definidas (Lavoisier). Da mesma forma, na montagem de um filme, os planos só podem ser reunidos numa relação harmoniosa.
A montagem ideológica consiste em dar da realidade uma visão reconstruída intelectualmente. É preciso não somente olhar, mas examinar, não somente ver, mas conceber, não somente tomar conhecimento, mas compreender. A montagem é, então, um novo método, descoberto e cultivado pela sétima arte, para precisar e evidenciar todas as ligações, exteriores ou interiores, que existem na realidade dos acontecimentos diversos.
- os operários diante do patrão
- o patrão com a caneta na mão
- o oficial ergue a mão para dar ordem de atirar
- uma gota de tinta cai na folha de reivindicações
- o oficial abaixa a mão; salva de tiros; um manifestante tomba.
A experiência de Kulechov demonstra o papel criador da montagem: um primeiro plano de Ivan Mosjukine, voluntariamente inexpressivo, era relacionado a um prato de sopa fumegante, um revólver, um caixão de criança e uma cena erótica. Quando se projetava a seqüência diante de espectadores desprevenidos, o rosto de Mosjukine passava a exprimir a fome, o medo, a tristeza ou o desejo. Outras montagens célebres podem ser assimiladas ao efeito Kulechov: a montagem dos três leões de pedra - o primeiro adormecido, o segundo acordado, o terceiro erguido - que, justapostos, formam apenas um, rugindo e revoltado (em O Encouraçado Potemkin, 1925, de Eisenstein); ou ainda a da estátua do czar Alexandre III que, demolida, reconstitui-se, simbolizando assim a reviravolta da situação política (em Outubro).
Em Estamos construindo (Zuyderzee, 1930), de Jori Ivens, várias tomadas mostram a destruição de cereais (trigo incendiado ou jogado no mar) durante o débacle de 1929 da Bolsa de Valores de Nova York, a depressão que marcou o século XX. Enquanto apresenta os planos de destruição de cereais, o realizador alterna -os com o plano singelo de uma criança faminta. Neste caso, o cineasta, fotografando uma realidade, recorta uma determinada significação. Os planos fotografados por Jori Ivens podem ser retirados da realidade circundante, mas é a montagem quem lhes dá um sentido, uma significação. Os cineastas soviéticos, como Serguei Eisenstein e Pudovkin, procuravam maximizar o efeito do choque que a imagem é capaz de produzir a serviço de uma causa.
Considerada a expressão máxima da arte do filme, a montagem, entretanto, vem a ser questionada na sua supremacia como elemento determinante da linguagem cinematográfica com a introdução - em fins dos anos 30 - das objetivas com foco curto que permitiu melhorar as filmagens contínuas - a câmera circulando dentro do plano - com uma potenciação de todos os elementos da cena e com um tal rendimento da profundidade de campo (vide Cidadão Kane (1941), de Orson Welles, Os melhores anos de nossas vidas, 46, de William Wyler) que possibilitou tomadas contínuas a dispensar os excessivos fracionamentos da decupagem clássica. A tecnologia influi bastante na evolução da linguagem fílmica, dando, com o seu avanço, novas configurações que modificam o estatuto da narração - o próprio primeiro plano - o close up - tão exaltado por Bela Balazs como "um mergulho na alma humana" - com o advento das lentes mais aperfeiçoadas já se encontra, esteticamente, com sua expressão mais abrangente e menos restrita. Tem-se, como exemplo, as faces enrugadas e pavorosas de David Bowie em Fome de Viver/The Hunger, 1983, de Tony Scott, com Catherine Deneuve e Susan Sarandon.