terça-feira, 6 de novembro de 2012

CINEMA AO ALCANCE DE QUALQUER "ZÉ MANÉ"


Por André Setaro


A avalanche de filmes digitais é impressionante. Qualquer pessoa pode, agora, fazer um filme e se intitular cineasta. O fazer cinema perdeu seu mistério e a sua magia. Claro, há a possibilidade de que qualquer se expresse por meio das imagens em movimento, o que é democrático. Ouso comparar o fazer cinema, hoje, com os poetas de antigamente. Em tempos não tão priscas assim, as pessoas viviam a cometer poesias e ficavam satisfeitas quando uma delas era publicada em jornais e revistas. Mas se existia muitos versos, poucos os poetas verdadeiros. Tinha-se, na verdade, uma enxurrada de versejadas.
Aplico o dito aos filmes feitos em digital por qualquer mané. O lixo da história está cheio desses arroubos expressivos e o tempo será o seu maior juiz. Pelo que tenho visto, a maioria dos filmes realizados em digital é de péssima execução cinematográfica, principalmente os curtas realizados por amadores. Para se fazer um filme é necessário, salvo raras exceções (como o documentário filmado in loco), uma elaboração a priori, um pensar cinematográfico antes da execução propriamente dita. Os cineastas digitalizados, porém, na sua grande maioria, preferem pegar a câmera e ir logo filmando. Os resultados, como não poderiam deixar de ser de outra forma, são lamentáveis.
Nelson Pereira dos Santos, numa palestra no Memorial da América Latina, há algum tempo, disse que não gostava da expressão audiovisual para a denominação de tudo que fosse imagem em movimento. Qualquer filme é chamado de produto audiovisual, o que, para ele, não expressava bem o significado e a dimensão do cinema. Quando se fala cinema, segundo Nelson, vem logo à mente nomes como Orson Welles, Fellini, Luchino Visconti, Roberto Rossellini, entre outros, ao passo que quando se fala em audiovisual nada vem à lembrança. Concordo em gênero, número e grau com esta opinião.
Está a acontecer uma revolução no audiovisual e ainda não cheguei a um processo mais consciente do que se encontra por vir. As imagens em movimento perderam a sua magia de somente serem vistas nas salas exibidoras e tomaram uma amplitude nunca dantes imaginada. Estão por toda parte: nas gigantescas televisões de plasma, nos DVDs, nos celulares, nos computadores. Baixa-se filmes a torno e a direito pela internet. O filme, algo meio inacessível, como em coluna passada me referi com um caso, hoje se vulgarizou a tal maneira que se pode encontrar no balaio das Lojas Americanas obras-primas a preço de banana. Ou espalhadas pelo chão das ruas e avenidas das cidades em cópias piratas. É verdade que, nesta oferta, predominam os filmes inferiores, para consumo imediato, mas, de repente, vê-se um grande momento do cinema à disposição do cliente transeunte.
Os eventos cinematográficos se proliferam e em qualquer cafundó de judas há atualmente a realização de um festival de cinema (apoiados, diga-se assim de passagem, pelas burras da Viúva). Muitos deles são bons e proveitosos, mas não se pode negar que alguns cheiram a picaretagem. Abre-se uma produtora com fito cultural e basta apenas captar patrocínios. Os organizadores gastam o necessário e o troco fica com eles. Urge que os órgãos governamentais tenham mais rigor ao patrocinar tais eventos, pois muitos não passam de pura picaretagem.
Há também uma profusão de oficinas, mesas redondas e quadradas, seminários disso e daquilo, alguns chatíssimos, recorrentes, repetitivos. Para ficar num só exemplo: a das oficinas de crítica cinematográfica., que, geralmente, são realizadas em dois, três dias. Creio-as um absurdo, um non sense. Como se pode ensinar a ver um filme em tão pouco tempo? E, principalmente, criticá-lo? A crítica é a arte da paciência, como disse uma vez o grande Inácio Araújo. Antes de mais nada, o vestibulando a crítico deve ver e ver filmes e, para alcançar um razoável repertório cinematográfico somente o tempo está a seu favor. É preciso se entender que o cinema é uma estrutura audiovisual, que tem uma linguagem autônoma. A crítica, portanto, é um processo a posteriori. Mas, na geleia geral na qual se afundou o audiovisual, assim como todo brasileiro se considera um técnico de futebol, também se acha apto para criticar um filme. Confesso que ministrei uma oficina de crítica, mas, num processo de autocrítica, nunca mais a farei. Tenho, também, culpa no cartório, mas, creio no meu bom senso, e, se o tenho, não participo mais de tais oficinas, que, no meu bom tempo, conhecia-as para conserto de carros e bicicletas.
A concentração de filmes numa determinada mostra é contraproducente. Segundo Georges Sadoul, famoso historiador de cinema francês, na introdução de seu Dicionário de Filmes, os filmes gravados na memória tendem a se confundir. Conta que passou décadas a analisar uma sequência de determinada obra cinematográfica vista há muito tempo e que a tinha como fundamental. Quando teve a oportunidade de vê-la, constatou, estupefato, que ela não existia no filme que anunciava. Pertencia a outro.
Como no título da antologia de críticas de Antonio Moniz Vianna, um filme por dia é o ideal de contemplação de um cinéfilo - até poderia conceder: no máximo dois. Há pouco tempo, no entanto, os eventos cinematográficos que se faziam no Brasil não empurravam, cinéfilo abaixo, uma avalanche de filmes. É bem verdade que da profusão pode aquele que se interessa escolher os mais interessantes e deixar os outros para uma próxima ocasião - se a houver.
Cada vez mais fica imperativo que se refine o que se vai ver. O ideal também é que se refinasse mais o que está a ser produzido. Uma das metas do cinema brasileiro deveria ser esta: não aporrinhar o pobre do cinéfilo já tão aporrinhado com as coisas da vida

terça-feira, 23 de outubro de 2012

"Saló" - "Os 120 Dias de Sodoma", de Pasolini




É um filme forte, Saló, o derradeiro e agônico Pasolini, chocante para alguns, mas já sacralizado como uma obra de arte. A ação se localiza nos estertores do fascismo, precisamente em 1944, quando quatro oficiais libertinos e luxuriantes sequestram dezesseis pessoas para fazê-las passar, num castelo imenso e sombrio, as piores humilhações e torturas, além de abusos sexuais, perversões da pior espécie. Pasolini, inspirando-se num livro do Marquês de Sade, tenta, aqui, um retrato metafórico do fascismo e, por extensão, do poder que anula o homem,coisificando-o. Realizado em 1975, pouco antes da morte do cineasta, Saló se constituiu num grande escândalo e foi proibido em várias capitais do mundo, porque considerado obsceno, revoltante, um atentado à moral e aos bons costumes. Na verdade, é uma obra que dilacera, uma verdadeira descida ao inferno de um homem atormentado com os descaminhos do mundo e, principalmente, de sua Itália. A virulência é tão grande que prenuncia o desaparecimento de Píer Paolo Pasolini, um dos mais originais cineastas da história do cinema.

Idealizador do cinema-poesia em oposição ao cinema-prosa, Pasolini, assim como Glauber Rocha, mutatis mutandis,evidentemente, extrapolou o cinema. Foi um agitador cultural, com seus artigos inflamados, polêmicos, arrasadores, suas poesias, seu comportamento híbrido, seu homossexualismo declarado, um homem "a latere" do sistema, que gostava de conviver com a sordidez, com marginais nos becos mais nojentos de Roma. Morreu procurando saciar o seu apetite carnal. Mas um homem que tem tal comportamento é um artista? poderia perguntar alguém estranhado com tanta sordidez. Sim, um grande cineasta, um grande poeta, um intelectual de escola.
Por outro lado, foi capaz de se elevar na melhor versão para o cinema de um evangelho: O Evangelho segundo São Matheus(1967) é um filme extremamente poético, dotado de uma sensibilidade à flor do celuloide. Dedicado à generosa e doce figura do papa João XXIII, conta com atores não profissionais (à maneira do neo-realismo italiano mas não seguindo seus postulados). Na época de seu lançamento, causou admiração geral. A Igreja ficou sensibilizada e lhe deu o prêmio OCIC. Como um marxista pôde filmar com tanta beleza um evangelho? Perguntas que pipocaram na ocasião, mas visto o filme estas se desfizeram em profunda admiração pelo homem e pelo artista.

Lembro-me de Teorema, que vi pela primeira vez no antigo Liceu, numa pré-estréia num domingo de manhã. Fiquei estupefato nos meus 18 anos em 1968. Que filme admirável! Um anjo vindo não se sabe de onde (dos céus!) é o elemento deflagrador de um processo de transformação de uma família burguesa, cujo chefe é um rico industrial. O anjo é Terence Stamp no auge de sua carreira, que, irrompendo na celula mater,conquista e conhece (no sentido bíblico) a todos. Após o contato, as pessoas se transformam, tomando rumo diverso. A esposa do industrial, começa a andar de carro pelas ruas de Roma à procura de homens para saciá-la de maneira sádica. O filho começa a pintar quadros abstratos num acesso de loucura. A filha entra em processo catatônico. A empregada despede-se da mansão e retorna a sua pobre região, ascendendo, levitando, e no ar, é admirada pela população como uma santa. E o chefe dá a fábrica aos operários e sai nu, correndo e gritando pelo deserto. Do ponto de vista da fábula, Pasolini se utiliza do lugar fabulísticodo elemento deflagrador, assim como William Holden que chega à cidadezinha de "Férias de Amor" (o deslumbrante Picnic, de Joshua Logan) e provoca celeuma, assim como Shane que, no filme do mesmo nome, aparece num lugarejo para transformá-lo. Mas a essência pasoliniana é outra.

Édipo Rei, Medeia, a trilogia iniciada com Decameron, continuada com Os Cantos de Canterburry e As mil e uma noites (esta, mais fraca) são exemplos de um universo pessoal lúcido e corajoso. Inconformista in extremis, Pasolini não aceitava o establishment, lutando para quebrá-lo, modificá-lo. Quando se vê hoje um filme como "Beleza americana" e, a respeito dele, fala-se atabalhoadamente em 'virulência crítica' do american way of life, a única reação possível é o riso irônico. Um outro cineasta que incomoda, além do grande Buñuel, porque descobre as fraturas expostas de uma sociedade apodrecida, é Marco Ferreri, que, há tempos, não aparece por estas bandas. Veja dele, se o tem em DVD, Crônica de um amor louco. Mas sua obra-prima é A Comilança (La grande buffe, 1973).

Neste filme, vários amigos se reúnem numa casa interiorana para comer até estourar. O programa estabelece que não se pode parar de comer até o advento da morte. Alguns estouram literalmente. Ferreri é um cineasta singular, marginalizado, por esta singularidade, dos circuitos comerciais. Os amigos reunidos não comem, porém, qualquer coisa, mas pratos finos da haute cousine preparados por um deles, Ugo Tognazzi, um mestre-cuca de primeira, dono de restaurante. Philippe Noiret (o velho operador de Cinema Paradiso) é um juiz com problemas edipianos, Marcello Mastroianni, um piloto de avião. E, ainda, entre a turma, o grande ator francês Michel Piccoli. Quando reunidos, uma gorducha professora da vizinhança, Bárbara Ferreol, intromete-se na farra.

Já nos filmes de Pasô, como era chamado, há uma surpreendente naturalidade de registrar e observar as coisas mais escabrosas. O sexo, por exemplo, é visto sem nenhuma ênfase, com a máxima naturalidade. Pasolini é grande porque tem uma forma toda particular de expressar suas idéias, de oferecer à imagem cinematográfica um acréscimo, um acréscimo de sua personalidade esfuziante. Evidente que os moralistas de plantão sempre se chocaram com alguns de seus filmes. Lembro-me que uma vez apresentei Salô a uma turma de estudantes e alguns se retiraram enojados, sendo que duas belas e radiantes garotas simplesmente vomitaram em plena sala de aula. Mas aí é que está: o choque faz parte de sua estética. Seus filmes, não todos, são destinados a mostrar as fraturas expostas de uma sociedade podre e hipócrita.

Panorama exibe 70 filmes nacionais e internacionais

O CINEMA ATUAL NÃO QUER UMA IDEIA NA CABEÇA!


Arnaldo Jabor
Tenho visto muitos filmes de ação. Vou ao cinema com meu filho de 12 anos e já sou um entendido nas missões impossíveis, nas porradas, nas cidades destruídas, nas armas assassinas. Quando estou no cinema, tudo me parece perfeito, de uma eficácia absoluta, como se estivesse dentro de uma máquina de sensações programadas. Sou levado a um mergulho em suspense, em medo, em prazeres sádicos, tudo narrado em uma tempestade de 'planos' curtos, nunca mais longos do que quatro segundos, ao som de orquestras sinfônicas plagiando Beethoven ou Ravel para cenas românticas e Stravinski para violência e guerras, pois não há um só minuto sem música, tudo montado para não desgrudarmos os olhos da tela. Antigamente, os filmes 'comerciais' ou de ação apelavam para alguma comoção humana das plateias, histórias em que o 'bem' era recompensado, em que chorávamos ou ríamos desde o Gordo e o Magro até Hitchcock.
Hoje, passamos por uma maratona de emoções incessantes que nos exaurem como se fôssemos personagens daqueles mundos em 3D, de pedras e balas que nos voam na cara, atravessando túneis de ressonâncias visuais e sonoras que nos fazem em pedaços espalhados pela sala, junto com os copos de Coca-Cola e sacos de pipocas. Somos pipocas desses filmes. No entanto, quando saio do cinema, caio num grande vazio nas ruas barulhentas, feias e terríveis, onde tudo parece irreal.
Esses filmes são de uma eficácia assustadora, como seus heróis. Os roteiros são feitos em programas de computador especiais que não deixam respiros para o espectador. É preciso encher cada buraco, para que nada se infiltre na atenção absoluta. Os efeitos especiais são mais importantes que os conflitos psicológicos. Não importa o enredo; só o gozo da cena. O filme de ação busca na violência e nos desastres a mesma visibilidade total do filme pornô.
É uma nova dramaturgia de Hollywood: a estética do videogame, onde a personagem principal não é mais o "outro", mas nós mesmos, com o joystick na mão e nenhuma ideia na cabeça. Cresce uma cultura da incultura, a profundidade do superficial, a rapidez do julgamento, num mundo feito de fugazes e-mails, celulares tocando, corridas sem fim, vidas sem "roteiro".
Está fora de moda um filme para ser visto, refletido, com choro, risos, vida. O desejo dos produtores é justamente apagar o drama humano dentro de nossas cabeças. A ação na tela é incessante, o conflito é permanente, de modo a impedir o espectador de ver seus conflitos internos.
Ao contrário das obras comunas ou nazistas, que vendiam um "futuro", um paraíso soviético ou um Reich de Mil Anos, os EUA vendem o "presente". Americano não tem futuro. Só um enorme presente prático, feito de objetos e gadgets, serviços e sentimentos redentores. Por outro lado, nada é parte de um "complô" para nos "lavar o cérebro", nada disso. Não é uma propaganda consciente. Não há Comitê Central nem CIA, por trás. Os americanos são um produto deles mesmos, acreditam no que dizem. A sinceridade é sua arma total. O verdadeiro cinema político é o filme americano.
Logo depois da Guerra Fria, os filmes mostravam uma América em "frenética lua de mel" consigo mesma. Os Estados Unidos eram o país da "cultura da certeza". A ideia de 'paraíso americano' era a perfeição do funcionamento. Com o fim da Guerra Fria, os americanos ficaram meio desamparados, sem inimigos reais. Cultura paranoica não gosta disso. Com o 11 de Setembro, junto com as torres, caíram também a arrogância e o orgulho da eficiência. Deprimiram por uns anos, mas, retomaram a trajetória do mito americano e, assim como estão reconstruindo as torres gêmeas, voltaram a fazer filmes para reabilitar o herói americano, tão humilhado na horrenda era Bush.
Antigamente, sofríamos durante a trama, esperando que os heróis ou amantes fossem felizes no fim. Hoje, sabemos que tudo vai acabar bem, mas nos fascinam mais os infernos que eles terão de atravessar, para chegar a um desfecho fatalmente bom. A catarse chegará, mas antes temos amputações, temos bazucas estourando peitos, bombas e vemos que, mais importantes que as personagens, são as "coisas" em volta. Sim, as coisas. Personagem é só um pretexto para mostrar o décor. E o décor é um grande showroom dos produtos americanos, que são as verdadeiras personagens: maravilhosos aviões, os supercomputadores, a genialidade tecnológica. Neste neocinema épico século 21, as personagens não fogem de um conflito; fogem dos produtos.
E pior: não adianta se refugiar na arte. O cinema de autor ficou mirrado diante de tanta homérica violência. A arte pressupõe uma imperfeição qualquer, uma fragilidade que evoca a natureza perdida; a arte inclui a morte ou o medo, mesmo no triunfo das estátuas perfeitas.
A destruição que vemos na vida, a sordidez mercantil, a estupidez no poder, o fanatismo do terror, a destruição ambiental, em suma, toda a tempestade de bosta que nos ronda está muito além de qualquer crítica. O mal é tão profundo que denunciá-lo ficou inútil. Pela influência insopitável do avanço técnico da informação, turbinado pelo mercado global, foram se afastando do grande público as criações artísticas e literárias, as ideias filosóficas, os valores. Em suma, toda aquela dimensão espiritual chamada antigamente de 'cultura' que, ainda que confinada nas elites, transbordava sobre o conjunto da sociedade e nela influía, dando um sentido à vida e uma razão de ser para a existência. Na arte atual, não há vestígios de esperança. Vivemos diante de um futuro que não chega e de um presente que nos foge sem parar. Isso nos faz saudosos do presente como se ele fosse um passado.
Uma espantosa nova linguagem surgiu e cresce como um 'transformer' nas telas do mundo. E talvez, daqui para a frente, só essa língua aliviará um pouco nossa solidão, saciará nossa fome de ilusão. Só em filmes brutos e desumanos teremos o consolo do esquecimento.

domingo, 21 de outubro de 2012

NOITE DE CABÍRIA


Por André Setaro

Um dos momentos mais sublimes de Federico Fellini, este gênio das imagens em movimento, que marcou, definitivamente, o imaginário cinematográfico do século XX, a instituir uma marca tão pessoal em seus filmes, uma autoria tão completa que, a partir de "Oito e meio", todas as suas obras vieram com os títulos precedidos com seu nome: "Fellini Satyricon", "Fellini Roma", "Fellini Amarcord", etc. Se a Teoria de Autor, elaborada pelos críticos do "Cahiers du Cinema" pode ser contestada, porque consideraram autores alguns realizadores discutíveis, ela se aplica admiravelmente a Fellini, um autor completo na mais rigorosa acepção do vocábulo.
Cabíria (interpretação chapliniana de Giulietta Massina) é uma pobre prostituta romana, que, ingênua em relação a seus semelhantes, vê-se vítima de um homem pelo qual está envolvida sentimentalmente, mas que a atira, depois de roubar-lhe o dinheiro, ao rio. Em seguida, na sua peregrinação para alcançar a felicidade, ainda que o ambiente sórdido na qual se encontra inserida, é enganada novamente por um célebre ator cinematográfico (Amadeo Nazzari). E, finalmente, mais uma grande decepção, quando pensa que encontra a felicidade. O namorado, que Cabíria idealiza como companheiro, após roubá-la, a abandona brutalmente. Mas, humilhada, ainda encontra forças para sorrir, quando de volta à avenida noturna fica a apreciar jovens montados em bicicletas a percorrer as ruas de Roma. Momento sublime e de indescritível beleza.
Nesta história patética, Fellini descreve sua prostituta com a nobreza quixotesca do ser que sobrevive em meio dos egoísmos sociais, a radicalizar, por outro lado, a "exemplaridade" do personagem, não-realista senão "inventado" dentro de uma história real. O autor, desde "A estrada da vida", vinha sendo acusado, a receber severas críticas de seus pares, de ter se afastado dos postulados neo-realistas. Fellini respondeu que seus filmes procuravam o "neo-realismo interior" esgotada já a fase áurea do movimento. Sua ideologia, por assim dizer, se encontra imersa no mistério, a predestinação e a Graça, e encontra, aqui, em "As noites de Cabíria", campo para a exposição de um personagem-símbolo, embora não tão distante da Gelsomina-Carlitos (de "A estrada da vida"), que agora atinge o nível de uma Cabíria-Carlitos. Há, no filme, o registro da vida das prostitutas, a histeria religiosa, mas, por outro lado, um vislumbre das zonas irracionais de um catolicismo que não deixa, porém, de ser inconformista em muitos de seus aspectos.
Na filmografia de Federico Fellini, iniciada em "Mulheres e luzes" ("Luci del varietà, 1950), pode-se distinguir três fases: a primeira, que se caracteriza por um cinema de imagens surpreendentes, mas dentro de um esquema narrativo tradicional que tem na sua força poética a transcendência do academicismo. Ou, por outras palavras: o elo sintático (a linguagem) ainda se encontra a serviço do elo semântico (o conteúdo).
Significativos dessa fase, além de "As noites de Cabíria" ("Le notti di Cabiria"), "Abismo de um sonho" ("Lo sceicco bianco", 1952), "Os boas-vidas" ("I vitelloni", 1953), "A estrada da vida" ("La strada", 1954), e "A trapaça" ("Il bidone", 1955).
A segunda fase tem início em "A doce vida" ("La dolce vita", 1960), magistral afresco moralista e premonitório sobre a decadência da civilização ocidental ainda quase em meados do seu decurso. Aqui já não há uma continuidade dramática nos moldes tradicionais, pois não existe uma união de seqüências pelas formas habituais, uma linha condutora e sua unidade se opera somente no fundo. É o elo sintático que se mantém rigorosamente unido ao elo semântico num processo que se assemelha ao mosaico. "A doce vida" inaugura não somente uma outra fase na carreira de seu autor, mas, também, e principalmente, um corte longetudinal na história da arte do filme, que ficaria mais radical em “Oito e meio” ("Otto e mezzo, 1963). Neste, a geografia da ação se encontra esfacelada e o que a comanda é o tempo psicológico.
Mestre absoluto, a partir daí o grande "regista" começa a estilizar o seu próprio estilo. Mas ainda consegue romper o conceito da obra-prima (que sempre é uma para cada artista, a sua melhor, a sua obra mestra), com outros filmes que podem ser considerados obras-primas, a exemplo de "Fellini-Amarcord" e "Fellini-Casanova".
Há em "La notti di Cabiria" um desejo de transposição metafórica da noite para o dia, a prostituta a tentar abandonar o noturno trágico da prostituição pela claridade do cotidiano tranquilo e familiar.
Neste ponto, dá-se, aqui, a palavra a Walter da Silveira ("Fronteiras do cinema", 44/45): "Esse jogo antitético da noite para o dia, com maior valorização dramática e plástica da da primeira, não poderia deixar de provir de quem, ao menos por paradoxo, inclui entre as raras peças literárias que o influenciaram o tratado da magia de Eliphas Levi ou, entre as criaturas que desejaria encontrar, Cagliostro e São Francisco de Assis. Ou seja: de quem admira e aspira o sentimento mágico da vida.”
É Walter ainda quem fala: “Tal sentimento aparece no tema e na forma de “As noites de Cabíria”: o amor ao próximo que distinguia o “poverello” de Assis; o encantamento, que assinalava Cagliostro. Na substância, Fellini gostaria que todos os homens iguais, mesmo que todos os seres fossem irmãos, em vez de cruéis e falsários. Na síntaxe, Fellini estimaria que todas as idéias, mesmo que todas as emoções, se revelassem sem os artifícios da construção técnica, com a simplicidade misteriosa do despojamento das origens”

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O HOMEM QUE NÃO DORMIA

Edgard Navarro e Luis Paulino dos Santos
Republico aqui um comentário já publicado de O homem que não dormia,um dos mais importantes filmes brasileiros dos últimos anos de autoria de Edgard Navarro.
Por André Setaro


A geografia da ação de O homem que não dormia, Igatú, cidade interiorana baiana situada na Chapada Diamantina, se reparte em diversos planos, incursionando mais no tempo psicológico do que propriamente no tempo geográfico. Edgar Navarro, neste surpreendente segundo longa, faz a opção pelo realismo fantástico, e o filme é um exorcismo de seus fantasmas recônditos, seus temores internos, sua vontade de por para fora, pelo condutocinematográfico, as aflições do artista. O realismo fantástico foge da lógica habitual, da organização racional das ideias, e, assim, O homem que não dormia é um delírio, uma alucinação, que entra pelos labirintos do universo onírico com acentos surreais. Não se pode exigir de sua estrutura narrativa um comportamento de acordo com os postulados do cinema realista, pois Ohomem que não dormia não o é.
Há, por assim dizer, um realismo, quando sua câmera capta as conversas na barbearia e no bar, entre outros poucos locais, que retrata com humor e verdade as falas e as maneiras do homem interiorano se comunicar. Nestas sequências, engraçadas pelos ditos, e compostas pelos tipos certos, surge o Edgar anárquico e desabusado, que analisa a condição humana à flor da pele. Os planos de uma realidade surreal estão na mansão do barão sobrenatural (interpretado pelo próprio autor com particular expressão), inclusive com a transformação da película em preto e branco.
O discurso cinematográfico navarriano é um discurso, portanto, vinculado ao fantástico. A projeção neste, no entanto, não deixa de revelar o homem em seu delírio gótico Cineasta de ex-abruptos, Navarro, depois de sua estreia no longa em Eu me lembro, ainda que mude de rumo temático, não desfigura o seu estilo bombástico. Se a obra de estreia é um filme no qual faz o seu amarcord, desligando-se de seus impropérios e devaneios superoitistas iniciais, e, mesmo, da fantasia alucinante de O Superoutro, em O homem que não dormia vomita seus filmes anteriores numa dimensão lúdica e, não seria exagero afirmar, purificadora. A exemplo do padre vivido por Bertrand Duarte que, no final, tira a roupa e, no meio da praça, realiza uma espécie de purgação. O homem que não dormia é, por isso mesmo, a purgação navarriana por meio das imagens em movimento.
Filme surpreendente pelo apuro da produção, pelo desenho de arte excepcional (o casario onde vive o Barão, cheio de mofo, traças, o bar etc), pela fotografia funcional de Hamilton Oliveira, e, principalmente, pela maneira de Navarro organizar a estrutura audiovisual, As dimensão do real se bifurcam num processo simbiótico onde, às vezes, fica difícil distinguir as fronteiras do onírico com as da realidade do tempo geográfico já referido para alcançar um tempo, por vezes, meramente psicológico. Para aqueles que o acusaram de ser redundante na exploração de certos momentos nos quais há torrentes mijatórias, não se deve esquecer que se está diante de um filme de Edgar Navarro. Os dois cegos que se masturbam, por exemplo, é uma homenagem a Luis Buñuel, que declarou certa ocasião que era o seu desejo filmar uma cena com dois cegos assim procedendo. Tudo se encaixa perfeitamente em O homem que não dormia e o relato assombroso tem a haver com a busca do realismo fantástico, como já se disse, e se o filme pode escandalizar incautos, o escândalo é necessário, principalmente numa época, como a de hoje, do vale tudo escancarado, como sempre dizia o surrealista André Breton.
O homem que não dormia, vale ressaltar, é o filme baiano mais bem realizado dos anos 2000, superando, inclusive, Eu me lembro. O filme é visceral, e, nesse particular, preenche-se como obra de arte, como a expressão de um autor que não pretende dormir na sua ação executória como realizador de imagens em movimento.  A estrutura narrativa é uma estrutura onírica, inclusive com o acréscimo de poética animação. O filme caminha para a libertação como pode fazer sugerir o acesso do padre nos momentos finais e os balões coloridos que sobem lentamente para o céu. Teria Navarro, com isso, se libertado, pelo cinema, de seus fantasmas, para um terceiro longa mais suave e mais sereno? Ou o cinema não é o bastante para sacudir o inconsciente do artista, permanecendo, nele, intactos, seus delírios? 
Vou tentar desdobrar, aqui, a exegese interpretativa feita por Adalberto Meirelles em seu excelente blog. O filme, para Meirelles, é desenvolvido em três planos. No primeiro, o da realidade cabal, estrita, que tem a ver com o sonho e seus sonhadores. Os personagens sonham, vivem num mundo onírico, e o que sonham interfere com a realidade circunstancial na qual vivem.  Há, portanto, aqui, um postulado do surrealismo, quando a realidade exterior se bifurca com a realidade interior. Para os surrealistas, a realidade só merece consideração quando aglutina a exterioridade dela e a sua interioridade refletida nos transes, sonhos, alucinações, naquilo que se encontra escondido no inconsciente do homem ou no inconsciente coletivo. O segundo plano está afeito aos comentários sobre a realidade feitos pelos homens que frequentam a barbearia e o boteco da localidade, e, também, pelo contador de histórias que nos envolve em um mundo de sacis pererês e mulas sem cabeça, erguendo, com isso, a ponte para um terceiro plano. O plano do não-lugar fantástico, ancestral, dominado pelo poderoso barão cujo espírito paira entre aqueles sonhadores danados. Para que os sonhadores se libertem, ressalta Meirelles, eles precisam de uma prova de fogo. E ela se dará em um ritual de resgate simbólico do tesouro enterrado pelo barão.
E o grande Inácio Araújo soube ver O homem que não dormia sem os olhos do preconceito e da má vontade. Como diz em seu blog: "E, até pude entender, o filme tem uma coerência interna muito forte, é balizado por um fabulário (mula sem cabeça etc.), pela crônica política (o torturado da ditadura, transformado em louco da cidadezinha), pela permeabilidade do real pelo fantástico (os deuses nativos, tão presentes que contaminam até o padre), pela crônica de costumes (a maledicência e a tragédia familiar do coronel, que é outro lado da repressão e da dominação econômica)."
O argumento, tirado do blog do filme, diz o seguinte: "Cinco pessoas de uma cidadezinha são acometidas pelo mesmo pesadelo: um homem sinistro e seu tesouro enterrado. Com a chegada de um peregrino, o vilarejo é arrebatado da rotina medíocre e os personagens lançados num vórtice de acontecimentos insólitos. A verdade de cada um será então trazida à luz, libertando-os do jogo perverso das hipocrisias, medos e doenças, compelindo-os a assumir as rédeas de seus destinos e reescreverem suas vidas."
A fabulação de Navarro, portanto, é muito rica. E ele soube transformá-la convincentemente nas imagens em movimento. Se a fragmentação da narrativa pode confundir e por causa do hábito dos espectadores atrelados e acostumados ao modelo de narrativa griffithiana, com começo, meio, fim, estruturado de acordo com a lei de progressão dramático, do in crescendo. O homem que não dormia, porém, não teria a presença fílmica que tem se não fosse a direção de arte de Moacyr Gramacho, a fotografia de Oliveira, e a interpretação excelente dos atores, em especial Bertrand Duarte, como o padre recolhido o filme inteiro em suas dúvidas interiores (enquanto não está a ler Monteiro Lobato) e, que, de repente, explode no final. Além de Duarte (que já virou ator internacional com Dawson – Ilha 10, de Miguel Littin), Evelin Buchegguer (a mulher), Mariana Freire (Madalena), Fernando Neves (Coronel Abílio, um ator de grande presença cênica, que trabalhou em Eu me lembro como o pai intransigente), Ramon Vane (Pra Frente Brasil), Fábio Vidal (Vado), Harildo Dêda (talvez o maior ator baiano vivo numa ponta no final, quando se aproxima do padre – aqui, uma piada típica de Navarro), Nélia Carvalho (Dona Cora, uma senhora atriz, que faz a empregada dedicada no filme anterior), Fernando Fulco (o cego velho em impressionante caracterização – usando lentes de contatos azuis, está assombroso), Bertho Filho (o cego jovem), Julio Goes, como o sacristão, entre outros, a destacar, nestes, o peregrino interpretado por Luis Paulino dos Santos, que não é outro senão o cineasta que deu início às filmagens de Barravento e que, depois, sofreu um golpe na cintura dado por Rex Schindler e Glauber Rocha, ficando, este, como o autor do filme. Mas Paulino realizou outros filmes, entre eles, Mar Corrente, desconhecido e esquecido filme brasileiro com Paulo Autran. O preparador do elenco foi o talentoso Marcondes Dourado. E a produção de Sylvia Abreu (Truque).
O homem que não dormia foge dos padrões do cinema brasileiro atual e se posiciona como uma obra singular.

sábado, 13 de outubro de 2012

GRAVAÇÃO DO CURTA "OS PITORESCOS MORADORES DE MARACANGALHA"






O ator baiano Psit Mota e alunos da CAP Escola de TV e Cinema da Bahia gravaram o curta "Os Pitorescos moradores de Maracangalha" com a direção de Deraldo Portella e Alex Souzan. O roteiro é de Rada Rezeda e a produção de Beto Magno ( VM FILMES ) e CAP Escola de Tv e Cinema da Bahia. Estreou como assistente de produção o ator Lucival Almeida e deu um show de competência e comprometimento.

VOU DAR PT - TOMATE [Feat. EDCITY] (VIDEO CLIPE OFICIAL)


Alunos da CAP ESCOLA DE TV E CINEMA DA BAHIA participam do clip de Tomate " VOU DAR PT"
Parabéns a Lucival Almeida e Marcos Navaes.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

CINEMA DE FICÇÃO


Por André Setaro


Extensão cinematográfica do gênero literário do mesmo nome, o cinema de ficção-científica conta com antecedentes tão ilustres como Viagem à lua (Le Voyage dans la lune, de Georges Méliès, 1909), Aelita (1924), do russo Yakov Protozanov, Metrópolis (1926) e Uma mulher na lua (Die frau im mond, 1929), ambos de Fritz Lang, entre outros.

Metrópolis é, até então, a mais expressiva ficção-científica do cinema. Realizada ainda na estética da arte muda, tem sua ação localizada no século 21 numa gigantesca metrópole autoritariamente governada por um industrial milionário, que vive com o filho num paradisíaco jardim suspenso. Seus operários são relegados aos subterrâneos e exortados à resignação por uma bela integrante do Exército da Salvação. De repente, um inventor louco fabrica uma mulher artificial que é igual a ela, mas que, ao contrário desta, incita os trabalhadores a uma revolta cujas principais vítimas são os filhos dos operários. No final, um operário reconcilia-se com o grande patrão, enquanto seu filho se casa com a moça resignada do Exército da Salvação Apesar da beleza de suas imagens, e do imenso sentido de cinema de Lang, o filme tem uma conclusão bastante reacionária, reformista, pregando a reconciliação entre o capital e o trabalho, a demonstrar que uma revolução provocada pelos operários teria como principais vítimas eles próprios e seus descendentes. George Sadoul, historiador francês, classifica Metrópolis como um filme expressionista e medieval.

O auge do progresso científico nos últimos anos – a energia nuclear, os satélites artificiais, as viagens interplanetárias – oferece grande atualidade ao gênero, que começa a se popularizar cinematograficamente a partir do êxito de Destino à lua (Destination moon), em 1950, dirigido por Irving Pichel, e também, do mesmo ano, Da terra à lua (Rocketship MX), de Kurt Neumann, que fazem emergir uma série de filmes americanos interessantes O enigma de outro mundo ((The thing, 1951), de Christian Nyby, O dia em que a Terra parou (The day the earth stood still, 1951), de Robert Wise, Guerra dos mundos (War of the worlds, 1953), de Byron Haskin, baseado em H. G. Wells, O mundo em perigo (Them!, 1954), de Gordon Douglas, Planeta proibido (Forbidden, 1956), de Fred McLeod Wilcox, Vampiros de alma (Invasion of the bodysnatchers, 1956), de Don Siegel, entre outros.

O dia em que a Terra parou pode ser considerado como um dos mais representativos filmes do gênero. Pela primeira vez, o extraterrestre não vem à Terra como invasor e é apresentado como uma figura simpática, pois desce de seu disco voador para evitar uma catástrofe atômica. Mas o filme que, utilizando-se do gênero, propõe-se a uma análise da sociedade americana é Vampiros de almas, que mostra como numa pacata cidade dos Estados Unidos os seus habitantes são, pouco a pouco, substituídos por cópias perfeitas de si próprios (saídas, estas cópias, de enormes vagens de ervilhas). Não estaria Don Siegel, aqui neste filme, numa premonição da clonagem contemporânea? As cópias perfeitas e iguais dos habitantes são destituídas, no entanto, de sentimentos, de almas e de consciências.Alphaville, de Jean-Luc Godard, da primeira metade dos anos 60, tem influência marcante dessa ficção-científica de 1956. Há, na verdade, em Vampiros de almas, uma grande metáfora de inspiração ideológica: as vagens seriam comunistas infiltrados na sociedade americana (paranóia típica da época em que o filme é realizado, em pleno macarthismo).

Na Inglaterra, também aparecem, neste período, interessantes filmes de ficção-científica, a exemplo de Terror que mata (Quatermass experiment, 1955), de Val Guest, A aldeia dos amaldiçoados (Village of the dammed, 1960), de Wolf Rilla. O mais importante, porém, dos filmes ingleses do gênero, é O mundo os condenou (The damned), do grande cineasta Joseph Losey, realizador de uma obra-prima, O criado (The servant, 1963), entre outros filmes significativos, mas que, atualmente, se encontra esquecido. The damned é sobre crianças contaminadas pela radioatividade que são enclausuradas pelas autoridades inglesas num reduto sigiloso.

A grande maioria, entretanto, dos filmes de ficção-científica, restrito que está, este panorama, aos clássicos, incluindo todos os japoneses, se limita a explorar velhas fórmulas do cinema de terror no esquema de mostrar a aparição de monstros criados pelas explosões nucleares. Diferentemente do que acontece na literatura, que possui excelentes escritores reconhecidos como mestres no gênero e que são capazes de o transcender. Mas não se pode deixar de registrar algumas tentativas que tentam renovar os clichês do gênero, a exemplo do admirável Ikarie XB 1 (1963), do tcheco Jindrich Pollack, e Alphaville (1964), de Jean-Luc Godard, A décima vítima (La decima vittima, 1968), do italiano Elio Petri, Fahrenheit 451 (idem, 1966), de François Truffaut, Viagem fantástica (Fantastic Voyage, 1966), de Richard Fleischer. Nestes filmes, o cinema de ficção-científica deixa de ser o campo específico da série B para passar com todas as honras ao da A, revelando ambição na abordagem temática e que pretendem dar um testemunho moral e intelectual acerca da civilização do futuro.

Em Fahrenheit 451, por exemplo, filme baseado em novela de Ray Bradbury, num país indefinido, numa época indeterminada, uma decisão governamental proíbe a leitura e condena os livros sob a alegação de que eles perturbam a felicidade e provocam a inquietação. O corpo de bombeiros não mais apaga incêndios (as casas são à prova de fogo), mas é encarregado de queimar todas as obras literárias descobertas. No bosque, escondidos das autoridades, vivem os homens-livros. Cada qual memoriza uma obra-prima literária, a fim de preservá-la para o futuro.

Já em A décima vítima, de Elio Petri, a agressividade dos homens é saciada através de uma grande instituição internacional que promove uma grande caça ao homem, havendo, neste filme, uma nítida preocupação sobre o esmagamento do homem em meio a uma sociedade competitiva. A ação se passa no século XXI, este que já se está, mas A décima vítima é de 1965.

2001: Uma odisséia no espaço (2001: a space odyssey, 1968), de Stanley Kubrick, é um filme que se poderia considerar divisor de águas. A partir dessa space opera, a ficção-científica no cinema não seria mais a mesma, quer do ponto de vista temática, quer do ponto de vista estilístico. A época da ficção-científica clássica, cujo apogeu se dá nos anos 50, toma uma nova direção com a utilização do gênero para propósitos de paráfrase, política e indagação filosófica. Kubrick, aliás, após a sua ópera espacial, retorna à ficção-científica de idéias em A laranja mecânica (A clockwork orange, 1971), tomando como base a narrativa literária de Anthony Burguess. O ficcionista, aqui, colocando-se já no futuro, empreende uma análise cáustica do seu passado que é o nosso presente. Mas a infantilização temática toma conta do cinema americano a partir da segunda metade dos anos 70 com os filmes que se seguiram à explosão mercadológica de Guerra nas estrelas.

E não se pode esquecer de Blade Runner - O caçador de andróides(1982), de Ridley Scott.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

TESTE PARA MINISSÉRIE NACIONAL



TESTE PARA ELENCO DE MINISSERIE NACIONAL - QUARTA – FEIRA DAS 14.30 AS 18H, NA CAP ESCOLA DE TV E CINEMA DA BAHIA.
COMPARECER AO TESTE SEGUINDO AS INFORMAÇOES ABAIXO ( Mulatas com shortinhos, manicures com alicates, toalhinhas, etc)

1) Mulata gostosa – para gravações no carnaval da Bahia- a atriz tem que fazer teste de short e top.

2) Homens e Mulheres - Fazer uma improvisação como repórter de 1 minuto

3) Mulheres e Homens - Fazer uma improvisação de 1 minuto como se fossem fãs desesperados vendo a estrela deles, uma cantora de axé, levando um tiro e morrendo.

4) 2 manicures e 1 cabelereiro - Fazer uma improvisação de 1 minuto

5) 1 modelo loira linda entre 20 e 27 anos, gatinha - Fazer uma improvisação de 1 minuto como se estivesse azarando a alguém, mostrando malicia.

O CRUSTÁCEO QUE VIROU CINEASTA

Agnaldo "Siri" Azevedo

Por André Setaro



Homenagem a Agnaldo Siri Azevedo que, há 25 anos, viajou para o desconhecido. Sua partida seu deu em 30 de julho de 1997. Não comprou passagem de volta e, a rigor, nem mesmo a passagem. A Implacável simplesmente o levou. Deixou vários amigos, entre eles Tuna Espinheira, companheiro de idéias e de copo. Fica o registro e a saudade.

 Quando da inauguração do Cinema do Museu (Corredor da Vitória), em outubro de 1996, um dos filmes apresentados foi O capeta Carybé, de Agnaldo Siri Azevedo. Finda a exibição, um coquetel reuniu os convidados e, lembro-me bem, fiquei a tomar uma cerveja, em pé, em companhia do autor do filme, e de seu iluminador, Vito Diniz, que, ano seguinte, morreriam e, apesar do lugar comum do dito, a deixar duas imensas lacunas para o já anêmico cinema baiano. Não sabia que, naquele momento, estava vendo, pela última vez, os dois cineastas. A Implacável, como mostrou Ingmar Bergman em O sétimo selo (Det sjunde inseglet, 1956), não perdoa ninguém. Siri, sobre ser um profissional de cinema de primeira ordem, com um curriculum vitae composto por trabalhos em importantes filmes de Glauber Rocha, notabilizou-se como um dos mais expressivos documentaristas da realidade baiana. Vito Diniz fotografou quase todos os filmes realizados nesta soterópolis, desde os tempos de Meteorango Kid, o herói intergalático (1969), de André Luiz Oliveira, passando pelos curtas metragens e até incursões no famigerado superoitismo. Iluminador de excelência, por teimar em não sair de Salvador, deixou de ser registrado como um dos melhores fotógrafos do cinema brasileiro, ainda que o seja.

A Trigésima Quarta Jornada Internacional de Cinema da Bahia prestou uma homenagem a Agnaldo Siri Azevedo pela passagem do décimo ano de sua morte, ocorrida em 1997, mesmo ano no qual também foi embora o grande Vito Diniz. Na oportunidade, além de uma exposição, entre outras atividades, foi programada a exibição de um documentário de Roman Stulbach, que focaliza os filmes e a trajetória de Siri. E quem o realizou foi um amigo do homenageado, além de montador de seus filmes.

Na década de 70, quando o Ciclo Bahiano de Cinema (A grande feira, Barravento, Tocaia no asfalto, outros) e o chamado surto underground(Meteorango Kid, Caveira my friend, outros) já eram favas contadas, e o Brasil imerso nos seus anos de chumbo, com a ditadura Médici, o cinema baiano se encontrava numa calmaria imensa, excetuando-se um ou outro projeto esporádico, e, entre eles, Akpalô, de José Frazão e Deolindo Checcucci, O anjo negro, de José Umberto, longas, e pouquíssimos curtas. O surgimento das jornadas baianas a partir de 1972, sempre realizadas num espaço quase consular, como o era o Instituto Goethe (Icba) contribuiu para ativar o ânimo dos cineastas baianos e, a estes, possibilitar o contato com outros realizadores do eixo Rio-São Paulo.

Mas foi preciso que se descobrisse o Super 8 para que se instalasse, aqui, uma movimentação maior em torno do que se queria como expressão pelas imagens em movimento. O embrião dos atuais realizadores que proliferam no panorama do cinema baiano contemporâneo se encontra no superoitismo, pois superoitistas foram Edgard Navarro, José Araripe, Marcos Sergipe, Fernando Beléns, Carlos Modesto, Cícero Bathomarco, e o pessoal do Grubacine. Todo mundo queria fazer o seufilmeco e houve uma espécie de coqueluche, que atordou bastante os freqüentadores das mostras competitivas das jornadas, porque havia, nelas, filmecos de mais de uma hora de duração e sem uma estrutura audiovisual que se pudesse aceitar como um filme.

O cinema baiano estava, portanto, dividido entre duas vertentes: a dos documentaristas, que abominavam as incursões superoitistas (Agnaldo Siri Azevedo, Tuna Espinheira, Timo Andrade, Celso Campinho, Roberto Gaguinho, Chico Drummond, entre outros) e a dos superoitistas (os citados acima e mais). Chegou-se até à fundação de duas associações ditas de cineastas: uma, de profissionais, congregando a ala dos documentaristas, e outra, que congregava os superoitistas. As duas não se bicavam.

Agnaldo Siri Azevedo, porém, continuava a fazer seus documentários, a apreender o pitoresco da cultura local. Embora outros também seguissem seu exemplo, o capitão do time dos documentaristas era Siri, secundado por Tuna e seus coadjuvantes. Isto quer dizer: o fato indiscutível é que Siri inaugurou uma escola de documentário – ainda que a seguir as lições da Caravana Farkas - cujos desdobramentos se fizeram logo sentir em filmes de outros realizadores baianos. A rigor, após ter sido, nos anos 60, diretor de produção e assistente de Glauber Rocha em Barravento, Deus e o diabo na terra do sol, Terra em Transe, entre outros, quando quase se pensou que o velho crustáceo fosse se aposentar, eis que aparece, em 1969, com Dança negra, um documentário seu, com um olhar particular sobre um aspecto da cultura.

Incentivado, Agnaldo Siri Azevedo realiza uma feliz adaptação da poesia de Gregório de Mattos e Guerra, que, dita por Emmanoel Cavalcanti, em trajes de época, a gritar pelos becos e ruas da Bahia os versos do poeta, configura O Boca do Inferno 1974), que de tanto apreciado fez-lhe realizar, anos depois, um segundo filme. A partir de O Boca do Inferno é que começa a colecionar prêmios das jornadas baianas. A seguir vieram: As Philarmonicas (1975), Carbonato ou Xique-Xique de Andraí: Cidade Fantasma (1976), com Clyde Morgan, dançarino americano, que executa uma performance minimalista na arquitetura colonial da cidade.

No ano seguinte, foi a Ilhéus, com o já também desaparecido Rony Berbert de Castro, para filmar Creio em ti, meu São Jorge de Ilhéus, que documenta o lugar imortalizado por Jorge Amado em Gabriela, Cravo e Canela. Quase um filme por ano em seu período mais fértil. O mundo de Seu Nestor, por exemplo, de 1978, resgata um anônimo, um homem que fabrica a sua própria cerveja e vive para o seu universo interior. E continua: Anistia (1979), Sem saída (1980), este com desenhos de Calazans Neto sobrepostos às suas imagens, que apresentam o estado de calamidade a que chegou, na época, a doença de Chagas. Aliás, o artista Calá seria, anos mais tarde, objeto de um documentário especial:Calazans Neto: mestre da vida e das artes (1987). Ainda no despontar da década de 80, outro filme, outro documento: Zambiapunga de Cairu - Festança de Outrora. O ano de 1980 foi um ano feliz para o crustáceo, pois conseguiu ainda realizar um terceiro filme, que é o citado opus 2 sobre Gregório de Mattos.

E vieram: Suíte Bahia (1983), Memória de Deus e o Diabo em Monte Santo e Cocorobó (1984), documentário cheio de alegorias que tem a participação do poeta (também já extinto) Carlos Sampaio – que quase na mesma época trabalhou em O mágico e o delegado, de Fernando Cony Campos, filmado em Cachoeira. Ainda e no mesmo ano: Não Houve Tempo Sequer Para as Lágrimas. A seguir: Adeus Rodelas (1969), registro pungente dos últimos momentos de uma cidade que seria inundada pela barragem de Sobradinho.

Depois que fez, em 1990, A chuva que veio do chão, um hiato se abriu na filmografia de Siri, vindo a retornar a filmar somente em 1996, com a sua obra-prima, O capeta Carybé. Acredito que os primeiros anos da década de 90, com a caneta collorida que aboliu, de um só golpe, a Embrafilme e o Concine, o fazer cinema no Brasil ficou difícil até meados de seu decurso, quando da retomada do cinema brasileiro.

A filmografia de Agnaldo Siri Azevedo possui seus temas recorrentes (o registro da cultura baiana em todos os seus aspectos) e um estilo de documentário que preza mais o objeto documentado do que o brilho narrativo exterior ao documento querido.