Os melhores de 2012
1.) FAUSTO (Faust), de Aleksandr Sokurov, com Johannes Seiler (Fausto), Anton Adasinsky, entre outros. Discípulo de Andrey Tarkovsky, Sokurov, realizador notável pela maneira na qual se utiliza da linguagem cinematográfica (A arca russa é um exemplo de experimentalismo radical com o plano-sequência), encerra a sua tetralogia dos homens políticos numa reflexão sobre a ânsia humana da conquista do poder. A essência do mito de Fausto (tão bem exposta por Murnau numa obra-prima do expressionismo alemão ainda no tempo do mudo) encontra aqui a sua postura contemporânea. É o melhor filme de 2012.
2.) A SEPARAÇÃO (Jodaeiye Nader az Simin), de Asghar Farhadi, com Leila Hatami, Peyman Moadi, Sarina Farhadi. Depois do boom e certo esgotamento do neorrealismo iraniano dos sapatinhos perdidos, um filme adulto, denso, com uma visão ácida e crítica da sociedade iraniana. Um homem, após se divorciar, vê-se obrigado a contratar jovem para cuidar do pai que sofre de Alzheimer, mas ela se encontra grávida, trabalhando sem o consentimento do marido. A realidade pulsante de uma sociedade presa a grilhões da intolerância. Urso de Ouro no Festival de Berlim.
3.) MISTÉRIOS DE LISBOA, de Raoul Ruiz., com Adriana Luz, Ricardo Pereira, outros. Realizador barroco e com acentos surreais, dono de uma filmografia de 117 filmes, este filme surpreendente, ainda que seus 275 minutos de projeção (4 horas e 15 minutos), não perde o seu encanto no decorrer do tempo. Uma viagem em torno da Portugal de Camilo Castelo Branco a partir de uma condessa obcecada pelo ciúme e sedenta por vingança, um próspero homem de negócios com passado de pirata sanguinário, um padre que de aristocrata e libertino se converte em justiceiro, e um garoto órfão em colégio interno. Filme que se coloca à parte na mediocridade atual do cinema contemporâneo e um dos mais belos do ano que ora se finda.
4.) ESSENTIAL KILLING – MATAR PARA VIVER (Essential KillING), de Jerzy Skolimowsky, com Vincent Gallo, Emmanuelle Seigner. Thrillerangustiante e político, quase sem diálogos, realizado pelo talento incomum de Skolimowsky (O ato final, O Uivo...), obra de impacto pela condução da narrativa, pelo seu aspecto minimalista e pelo extraordinário uso das cores. Capturado pelo exército norte-americano no Afeganistão, um homem é enviado para um centro de detenção secreto situado na Europa de Leste. Como um animal em fuga, perdido naquela paisagem branca e gélida, ele tem apenas uma opção de sobrevivência: obedecer aos seus instintos mais básicos.
5.) COSMÓPOLIS (Cosmopolis), de David Cronenberg, com Robert Pattinson, Kevin Durand, Sarah Gadon, Juliette Binoche, Mathieu Amalric, Paul Giamatti´. Nos insólitos filmes desse canadense inventivo e inconformista, geralmente há a questão dos limites humanos na sua ambiciosa intervenção científica para uma mutação dos homens e das coisas. (Gêmeos – Mórbida semelhança, A mosca etc). Aqui, um dia na vida de um milionário especulador numa Nova York assolada pelo capitalismo cada vez mais selvagem. Estranho, perturbador, outro Cronenberg sempre bem-vindo.
6.) HABEMUS PAPAM (idem), de Nanni Moretti, com Michel Piccoli, Nanni Moretti, Jerzy Stuhr, Franco Graziosi. Um conclave no Vaticano para escolher um novo Papa não chega a um consenso e decide por um desconhecido cardeal, que, não se achando preparado para a alta função, tem ataque de pânico e foge pelas ruas de Roma. O cinema italiano, que já foi, décadas atrás, um dos melhores do mundo, na sua decadência atual colhe poucos frutos, a exemplo desse filme de Nanni Moretti (que também trabalha como ator no papel do psiquiatra). Sátira que oscila entre o trágico e o cômico, com acentos tchechovianos, pode ser considerado um dos melhores do ano.
7.) 007 – OPERAÇÃO SKYFALL (Skyfall), de Sam Mendes, com Daniel Craig, Judi Dench, Javier Bardem. A inclusão deste filme, entre os melhores do ano, é uma homenagem ao cinema-espetáculo tão banido quando a aferição do que é bom cinema se atrela mais à sisudez temática que, muitas vezes, detona uma operação fílmica mais voltada para a aporrinhação do que para o prazer. Dentro dos limites de seu gênero – cinema de gênero, portanto, e não de autor, Skyfall, que comemora os 50 anos do agente secreto criado por Ian Fleming nas telas, é um espetáculo que seduz pelo ritmo e pela repaginação de seus elementos de fábula.
8.) A MÚSICA SEGUNDO TOM JOBIM, de Nelson Pereira dos Santos. Exceção se faça a poucos documentários brasileiros (e, entre eles, os de Eduardo Coutinho), o que os caracteriza é o feijão-com-arroz do amontoado de entrevistas articuladas numa estrutura audiovisual gasta e repetitiva. O veterano Pereira dos Santos soube driblar a mesmice num filme feito somente com imagens e música sem a adição de vozes distantes a não ser aquelas que cantam as canções. E a música do maestro Tom Jobim promove a linguagem musical brasileira a um patamar de excelência e exclusividade. Não resta a menor dúvida: Jobim é o melhor compositor brasileiro de todos os tempos e o filme faz uma homenagem à altura de seu gênio.
9.) INTOCÁVEIS (Intouchables), de Olivier Nakache e Eric Toledano, com François Cluzet, Omar Sy. Após acidente de pára-quedas, rico aristocrata contrata jovem recém-saído da prisão para ajudá-lo no infortúnio. Apesar de gênios incompatíveis aparentemente, o passar do tempo determina que eles se compreendam, nascendo, daí, uma grande amizade. Os realizadores demonstram aptidão para a análise de comportamentos e o resultado é, simplesmente, surpreendente, revelando um excelente momento do cinema francês contemporâneo. O filme é pleno de observações interessantes sobre as idiossincrasias do ser humano.
10.) A INVENÇÃO DE HUGO CABRET (Hugo), de Martin Scorsese, com Asa Butterfield (Hugo Cabret), Bem Kingsley (Méliès), Sacha Baron Cohen (Inspetor da estação), Christopher Lee (Monsieur Labisse), Emily Mortimer (Lisette), Jude Law (pai de Hugo), Bem Addis (Salvador Dali), entre outros. A ação se passa em Paris nos anos 30. Singela homenagem ao gênio de Georges Méliès feita por um ardoroso cinéfilo e cineasta. Méliès é o pai da ficção (Voyage dans la lune…) enquanto os irmãos Lumière do registro sem artifício. Scorsese, em seu primeiro filme em 3D, usa o processo para potencializar os efeitos mágicos dos filmes de Méliès. Magia e encanto. Encanto e magia.
Hors concurs:
ESSES AMORES (Ces amours-là), de Claude Lelouch, com Audrey Dana, Laurent Couson, Samuel Labarthe. Lançado no ano passado, e, por não tê-lo visto, omitido da relação dos melhores, apenas o vi em 2012 em DVD, mas não poderia deixar de citá-lo aqui nesta relação. Quadragésimo terceiro filme de Lelouch, poeta das imagens e da mise-en-scène, do qual sou admirador inconteste, e que assinala os cinqüenta anos desse realizador na atividade cinematográfica, o filme é um painel sobre os encontros e desencontros de pessoas que abrange um tempo dramático de um século – aliás bem ao gosto do autor (Retratos da vida, Toda uma vida etc). Ces amours là, além do painel histórico, é, sobretudo, um filme sobre o amor e uma homenagem ao cinema e ao próprio realizador. Inspirado, sensível, poético, com partitura do sempre presente Francis Lai e Laurent Couson. A sequência final é um testemunho de sua grandeza.
P.S: Entre os filmes nacionais, a neo-chanchada deu o tom negativo do cinema brasileiro, com mixórdias como Os penetras, De pernas pro ar 2, E aí, comeu?, entre outras, que fazem das antigas chanchadas obras-primas da arte do filme. As neo-chanchadas se utilizam da linguagem televisiva e não há, nelas, nenhum apuro cinematográfico. Destaco dois filmes do cinema nacional como os melhores do ano: O homem que não dormia, do baiano Edgard Navarro, e Febre do rato, de Cláudio Assis.