por Wilson Ferreira
A ficção-científica sueca “Aniara” (2018) é adaptação de um poema homônimo, de 1956, do prêmio Nobel Harry Martinson sobre uma nave que leva colonos para Marte, fugindo de um planeta Terra devastado. Um acidente ejeta a nave para fora do sistema solar, perdendo-se no espaço profundo. Aniara é um gigantesco shopping center espacial que leva para o espaço o mesmo “modus operandi” que destruiu econômica e ambientalmente a Terra: a cultura do supérfluo, do consumismo e, principalmente, a necessidade da simulação – parques temáticos e mundos virtuais tecnologicamente desenvolvidos para embalar os passageiros de Aniara no marketing e propaganda. “Aniara” vem do antigo grego “aniarós” e quer dizer “triste, desesperado”. Os passageiros daquele transatlântico espacial aprenderão da pior forma possível esse significado. E que a tecnologia pode nos proteger de qualquer coisa. Menos de nós mesmos. Filme sugerido pelo nosso leitor Ricardo Julio.
O historiador e crítico social norte-americano Daniel Boorstin foi o primeiro pesquisador a compreender a ascensão das simulações na sociedade contemporânea. Em 1961, no seu livro “The Image: A Guide of Pseudo-events in America”, Boorstin descreveu como a simulação passou a ser a essência de muitos fenômenos sociais – a América estaria vivendo a “era do artifício” na qual a fabricação de ilusões estaria tornando-se a principal força social.
Uma era que corresponde à ascensão do Marketing e das Relações Públicas.
Para ilustrar, Boorstin relata a história de um hotel que tinha vivido seus melhores dias. Hoje, decadente, apresenta uma infraestrutura desgastada e queda na qualidade dos serviços de hotelaria. Então, seu proprietário decide dar a volta por cima: contrata um profissional de relações públicas que lhe sugere organizar uma festa para jornalistas e convidados da alta sociedade e meio artístico locais.
A ideia seria a de criar uma imagem de que os bons tempos teriam retornado ao hotel. Ocupando espaço na mídia com matérias positivas de jornalistas especializados, tudo melhoraria. Mesmo não investindo no estado real do hotel: infraestrutura e serviços.
Boorstin chamava isso de “estratégia indireta”: a imagem parece sempre anteceder o real. Criar artificialmente uma boa impressão é mais importante do que a verdade daquela impressão. O efeito sempre deve anteceder a própria causa. A imagem do sucesso deve ser mais importante do que o sucesso real.
O filme sueco de ficção científica Aniara (2018) é notável por levar para o espaço essa cultura na qual a simulação passa a ter mais importância do que a própria realidade.
Estamos no futuro onde o planeta Terra está condenado por catástrofes econômicas e ambientais como incêndios, enchentes e furacões. Aqueles que conseguem a sorte de escapar dessa mortal atmosfera terrestre, têm ao seu dispor um serviço de transporte que os conduzirá às colônias de Marte para recomeçar suas vidas.
Uma viagem de três semanas numa espécie de gigantesco shopping center espacial com toda infraestrutura de consumo e entretenimento – a nave chamada “Aniara” leva para o espaço sideral, e depois para Marte, o estilo de vida que acabou destruindo o próprio planeta Terra: a dependência humana pelo artificial, supérfluo e o consumo de imagens que simulam uma vida que não mais existe.
E o que os espera não é exatamente um paraíso: Marte é um planeta frio, árido e hostil. Mas certamente parques temáticos ao estilo Disneylândia criarão uma estrutura cenográfica de um mundo que deixou de existir.
A ironia dessa produção sueca já começa pelo título: “Aniara” vem do antigo grego “aniarós” que significa “triste, desesperado”. O filme é uma adaptação de um poema de ficção científica escrito pelo prêmio Nobel Harry Martinson, em 1956, sobre a tragédia que se abate sobre uma nave espacial que leva colonos fugindo da Terra devastada.
Um acidente ocorre no trajeto, ejetando a nave para fora do sistema solar fazendo tripulação e passageiros entrarem numa luta existencial no vazio do espaço sem esperança.
O Filme
Antes de mais nada, o espectador deve saber que esse não é um sci-fi convencional. É um horror espacial, mas sem aliens, monstros, ataques virais ou serial killers enlouquecidos na gravidade zero. Não é um explosivo thriller, mas sem cair na monotonia. Narrado de forma episódica, acompanhamos a deterioração de um microcosmo da sociedade humana.
O horror provem do ambiente progressivamente asfixiante, claustrofóbico, mesmo numa gigantesca nave com escadas rolantes, lojas de departamento e spas. Principalmente que a tecnologia pode nos proteger de qualquer coisa: menos do homem contra si mesmo.
Nos créditos iniciais acompanhamos imagens tele jornalísticas de incêndios, furacões e enchentes: a Terra está morrendo e, quem pode, está fugindo para as colônias marcianas. Acompanhamos um grupo que aporta na Aniara, uma gigantesca espaçonave assemelhada a um transatlântico de cruzeiro ou aquela nave shopping center da animação da Pixar WALL-E.
Percebemos que os passageiros estão cercados de uma infraestrutura mercadológica no qual o capitão chamado “Chefone” (Arvin Kananian) dá as boas vindas, junto com a tripulação, em vídeo publicitário institucional.
Acompanhamos Mimaroben (Emelien Jonsson), uma funcionária da Aniara, responsável pela operação de uma Inteligência Artificial chamada MIMA – uma das inúmeras atrações da nave.
É uma experiência de realidade virtual interativa na qual o usuário revive suas memórias do planeta Terra, em paisagens idílicas e bucólicas.
Mas logo após a decolagem, há um impacto violento de Aniara com uma nuvem de lixo espacial. Aparentemente nada sério aconteceu. Até que o capitão informa a seus passageiros que, para evitar a explosão dos motores, teve que ejetar todo o combustível. A nave está à deriva indo para fora do sistema solar, na direção da Constelação de Lyra.